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Cinco vezes ela
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Cinco vezes ela

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Pergunto pro Wallace do que mais gosta na sua mãe. Do alto dos seus 9 anos, ele franze a testa e pede mais detalhes. Assim, tento explicar, sentando-se a seu lado no batente da calçada. Uma coisa que ela faz em casa, uma coisa que você acha massa. “O almoço”, ele responde com esse misto de franqueza e ingenuidade que fazem das crianças uma faca de dois gumes. O menino, que não gosta de fotografias porque acha que nunca fica bem, sorri.


Tento outro caminho. Além da comida, tem outra coisa que a Régia Patrícia (nome da mãe) faz que você para e pensa: isso é muito legal? “Tem, sim. A mãe joga videogame comigo”, devolve ligeiro o caçula de cinco filhos. O jogo é “Just Dance”, uma fita que simula coreografias ao som de todo tipo de música, de reggae a eletrônica. 

 

Às vezes, mesmo depois de dois turnos de cinco horas na Escola Municipal Monsenhor André Viana Camurça ensinando o beabá a 60 alunos de até 7 anos, Régia (nome pelo qual é chamada pelos estudantes) Patrícia (nome pelo qual é conhecida em casa) encontra energia pra se equilibrar nas próprias pernas e dançar com Wallace.
 

Ela tem um motivo pra isso, é verdade. O filho mais novo é o único que ainda faz questão de dividir todas as horas do dia e da noite com a mãe. Jovens ou ainda adolescentes, os demais – Jamylle, 26, Wellison, 20, Victória, 19, e Júlia, 13 – já veem os pais como essa companhia a ser evitada na frente dos amigos e pretendentes a namorado, como acontece com toda família.
 

Mas não Wallace, que acompanha a mãe a todo lugar e não se importa de aparecer segurando sua mão na frente dos coleguinhas de sala. Foi ele, por exemplo, que esteve ao lado de Régia quando ela viveu um dos momentos mais difíceis da maternidade, em 2011: depois de assistir a todos os filmes da saga Harry Potter com os três filhos mais velhos, ela foi preterida no episódio derradeiro. “Justo no final”, a mãe ainda suspira.
 

“No último filme (Harry Potter e as relíquias da morte – parte 2), eles já eram grandinhos e não quiserem ir comigo. Foram com os amigos. Foi um baque grande, fiquei muito triste”, conta. Foi aí que entraram Wallace e a irmã mais nova, Júlia. Ao lado dos dois, Régia não deixou por menos: comprou bilhetes e viu a sessão. Confirmava, ali, o clichê que toda mãe e todo pai cedo ou tarde acabam descobrindo: os filhos são para o mundo. Ossos do ofício.
 

Aos 43 anos, Régia Patricia Martins Teixeira tem uma trajetória pouco comum. Mãe aos 16, entrou na faculdade de Pedagogia aos 29, fez especialização aos 34 e foi avó aos 35. Formada, ingressou na rede municipal de Caucaia, onde dá aulas há mais de dez anos. Mãe de cinco filhos, experimentou ao mesmo tempo todas as etapas da maternidade e do amadurecimento das crianças. “Eu era cinco mães. Houve uma época em que tinha filho no ensino infantil, fundamental, médio e na faculdade”, conta.
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Hoje, passada a fase mais aperreada da vida, quando algumas dificuldades financeiras e a rotina de apertos em casa a impediam de pensar em si mesma, Régia concede-se alguns prazeres. Viajar é o maior deles. Tanto que criou um grupo no Whatsapp de mães-professoras-viajantes. Sem os maridos, cujo medo de avião é um denominador comum, os encontros foram ganhando ares de irmandade, a ponto de suas integrantes só levantarem voo juntas. Mas, até nessas horas, a mãe sente as cobranças.
 

“Eu viajo muito, e as pessoas dizem: não pode ser uma boa mãe. Eu amo meus filhos, estou sempre com eles. Faço tudo o que qualquer outra mãe faz. Mas viajar é minha diversão. Adoro conhecer outros sotaques, outras culturas”, diz. De 2014 pra cá, as mães já conheceram Argentina, Portugal e Chile. Neste ano, aterrissam na Itália.
 

Na última quinta-feira, Régia já estava de malas prontas. A viagem, agora mais curta, mataria dois coelhos com uma cajadada só: família reunida, celebrariam na praia de Redonda (Icapuí) o Dia das Mães e o aniversário de Wellington, o marido, policial militar que conheceu ainda adolescente nas ruas do bairro. “Sempre dou uma viagem de presente pra ele. De carro, é claro.”
 

A seu lado vai Wallace, espécie de guardião e amigo inseparável a quem pergunto, antes de terminar, como prefere que chamem Régia Patrícia, se pelo primeiro ou segundo nome. “Eu prefiro que chamem de mãe”, responde. E sorri mais uma vez.  

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Conceição e Henrique Araújo 

 

A mãe me ensinou a gostar de filme de terror quando ainda tinha cinco anos. Nessa mesma época, me perseguia pela casa fingindo-se zumbi, coberta com um lençol branco e fazendo barulhos guturais. De modo que, mesmo hoje, ela gosta de um bom filme de sustos. Quando tinha uns 16 anos, ganhou um concurso de calouros na escola cantando numa banda. O resultado é que não desgruda os olhos desses programas tipo “The Voice”. Uma mãe assim é muito massa. Quero ser filho dela sempre.


HENRIQUE ARAÚJO É EDITOR DO NÚCLEO DE CONJUNTURA
henriquearaujo@opovo.com.br 

 

 

 

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