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Adolfo Caminha. 150 anos do escritor polêmico
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Adolfo Caminha. 150 anos do escritor polêmico

Cultura: Com vida e obra marcadas por querelas, o escritor viu a crítica emudecer e ficou apagado diante do público leitor. Para especialistas, ler Adolfo Caminha é necessário nos tempos atuais
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Adolfo Caminha escreveu sobre violência contra a mulher, preconceito, homossexualidade e a hipocrisia das cidades. O autor, que completaria 150 anos amanhã, 29 de maio, é um dos principais nomes da chamada escola naturalista da literatura brasileira. Com os livros A Normalista e Bom Crioulo, criou desavenças, fez inimigos, sofreu retaliações e acabou deixando registrado um documento sobre um aquele período. Apesar da inegável importância, o escritor nascido em Aracati não recebe, até hoje, o mesmo tratamento dado a outros nomes da literatura cearense - como Antonio Sales e Lívio Barreto. 


O pouco interesse do público e da crítica pela obra de Caminha - aponta o pesquisador Carlos Eduardo Bezerra - pode ser consequência das temáticas “a frente do tempo” utilizadas pelo autor. “Ele entrou numa espécie de mutismo da crítica. A crítica emudeceu em relação a ele. Bom Crioulo sofreu várias censuras. Tudo isso faz com que a obra e o autor não fiquem tão conhecidos como outros autores da sua época”, explica Carlos, que é professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Em A Normalista, o escritor fala sobre a violência contra a mulher em uma cidade hipócrita. Em Bom Crioulo, o protagonista é um marinheiro negro e homossexual. Além disso, explica o pesquisador, Adolfo Caminha viveu somente até os 30 anos e não teve tempo para escrever muitos livros. “Ele não foi longevo. Morreu jovem”, reforça.
 

Além desses aspectos, acredita o escritor João Silvério Trevisan, os preconceitos que persistem na sociedade podem ser apontados como outra razão para a baixa leitura do cearense. “A obra do Caminha, especialmente Bom Crioulo, foi muito chocante no seu período. E esse livro foi proibido e censurado durante muito tempo. Talvez isso também tenha tornado a obra distante da memória nacional, considerando que só teve reedições recentemente”, diz João, que é estudioso de Bom Crioulo e outros livros.
 

O tratamento dado por Adolfo Caminha a temas polêmicos, como homossexualidade e violência, -acreditam os especialistas ouvidos pelo O POVO - faz a obra ser uma leitura necessária para os nossos tempos. “Hoje temos mapas da violência e relatórios. Mas, no século XIX, não tínhamos esses instrumentos. A literatura cumpre esse papel, de registrar a dificuldade que temos em lidar com a diferença e sempre lidar de forma desrespeitosa para as diversas violências”, aponta Carlos Eduardo.
 

Nascido em 1867, Adolfo Caminha viveu entre Fortaleza e Rio de Janeiro. Fez carreira na Marinha até que, por volta de 1888, apaixonou-se e fugiu com a esposa de um alferes do Exército. Para o pesquisador Sânzio de Azevedo, as principais obras de Caminha soam como vingança pelo tratamento que ele sofreu - das pessoas e das cidades - ao longo da vida. “Ele foi bem recebido por uns e por outros, não. São livros de vingança. Ele quis se vingar do Ceará, da Marinha, do Rio de Janeiro”, diz. 

 

Estante 


Principais livros de Adolfo Caminha
 

BOM CRIOULO
Conta a história da trágica paixão entre o marinheiro negro Amaro e o jovem grumete Aleixo. Os dois têm um relacionamento tórrido, proibido e repleto de ciúmes.
Preço médio: 27,90
 

A NORMALISTA
Relata as muitas tristezas e poucas alegrias de uma jovem que é entregue por seu pai ao padrinho, para criá-la. Ela é uma menina normal, que estuda, e, desgraçadamente, fica grávida.
Preço médio: 22,90  

 

Saiba mais

 

Além da produção literária, Adolfo Caminha é um dos fundadores da revolucionária agremiação Padaria Espiritual, que ficou conhecida pela irreverência e pelo jornal O Pão. Ele também colaborou com outros periódicos ao longo da carreira. “Eu trabalhei o Adolfo como um autor que transita através de vários gêneros”, explica Carlos Eduardo Bezerra, destacando a produção do cearense como crítico.

A Normalista é o primeiro romance publicado por Caminha, em 1892. Antes, ele havia lançado um livro de poesias (Voos incertos, de 1886) e dois livros de contos (Judite e Lágrimas de Um Crente, ambos de 1887). O autor ainda teve outras obras publicadas: No país dos ianques (1894), Cartas Literárias (1895) e Tentação (1896). Bom Crioulo foi publicado em 1895.

Com o escândalo provocado pela fuga com a mulher amada, Caminha foi expulso da Marinha Brasileira. Vitimado por tuberculose, o autor morreu em 1897. Carlos Eduardo ainda explica que, com o interesse atual por temas como violência contra a mulher e homossexualidade, as obras de Adolfo ganharam recentes traduções para o inglês, o francês, o espanhol, o alemão e o italiano.

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