Existem muitas formas de se fazer um Carnaval, mas quase nada acontece sem a rua. É no asfalto, ainda colorido de confete, que a festa se reconhece e se renova. No colorido da roupa enfeitada, no passo forjado pelos caminhos da dança, no cortejo de gente guiada por qualquer estandarte. É assim que se inicia a folia. E termina, para começar de novo.

Fortaleza teve cinco dias para experimentar os começos. Isso porque o Carnaval da Cidade, que já tinha o costume de se entender por fora do muro, espalhou-se. A Capital conheceu novos polos de folia e novos blocos também. Bandas se organizaram e festas se aprontaram para receber as alegrias e os encontros.

O encanto dos dias de Carnaval aportou na Praia de Iracema. Foi ali, no caminho do mar, que uma roda de gente se abriu para assistir ao enlace de dois mitos da nossa cultura: o Bode Ioiô casou-se com a índia Iracema em cerimônia que reuniu arte circense e a força da terra. Foi o pontapé do bloco Iracema Bode Beat, que estreou no domingo de Carnaval, com cortejo que levava os foliões da Rua dos Tabajaras até o Dragão do Mar.

Dois dias depois, ontem, foi a vez de a dança chegar pelas vielas da comunidade Poço da Draga, comandada pelo bloco Cai no Poço, que também fantasiou a festa de maresia.

A Praça da Gentilândia foi outro canto que se viu diferente. No sábado, o bloco Simelano trouxe outra proposta de se sujar, longe das brincadeiras do mela-mela. Por ali, nada de farinha. A ideia não era “guerrear”, mas experimentar a brincadeira de sujar o próprio corpo com argila. A inspiração veio de Olinda e surgiu quase na surpresa. “Tem um bloco lá onde as pessoas se sujam com lama. Quisemos fazer aqui. Publiquei no Facebook e a galera aderiu”, simplificou o produtor cultural Thiago Zé, um dos organizadores.

Benfica

O Simelano interagiu com a programação do Carnaval do Ben, outra novidade nesses tempos de Momo. Sem o bloco Sanatório Geral, que deixou de desfilar com sua lagarta de fogo pelas ruas do Benfica, a Gentilândia teve que se reinventar. Ao som de música infantil, marchinhas, rock e maracatu, a festa se diversificou. A dentista Ana Cecília Almeida, 46 anos, soube por lá que o Sanatório tinha acabado, mas a festa continuou. “Não tem problema, vamos  curtir da mesma forma”, disse.

Também se antecipando à ausência do Sanatório, um grupo de amigos resolveu fazer um Carnaval para chamar de seu. E para quem mais quisesse acompanhar. Era o começo do Primeiramente — Dançar e Mudar as Coisas, que reuniu gente no Flórida Bar, na Praia de Iracema, para sair em cortejo até o Mercado dos Pinhões, no Centro. Para animar, cerveja, banda e a vontade de interagir com o que também é festa: a Cidade.

E se a ideia foi reencontrar os amigos em um antigo espaço de noitadas, isso também rendeu um bloco. O Carnaval Legal da Vila Pita começou com o desejo de reviver as festas na rua Norvinda Pires, na Aldeota. O espaço já abrigou bares conhecidos por tocar do samba ao rock. Dessa vez, foi em ritmo de outras folias. “Passei minha adolescência toda vindo para esta rua na época da faculdade. Era lotada”, refez a arquiteta Bruna Gripp, 31.

De volta em fantasia, reconheceu a Cidade de outro jeito. “O Carnaval de rua é o mais democrático. Estou feliz de ver essa mudança em Fortaleza, esses bloquinhos acontecendo em vários pontos da Fortaleza...”, disse a foliã, que — assim como a Cidade — fez-se rua, praça e gente. (Colaboraram Letícia Alves, Eduarda Talicy, Beatriz Cavalcante, João Marcelo Sena e Luana Severo)

[FOTO2]

NA PRAÇA DA GENTILÂNDIA, A MANHÃ DE SÁBADO COMEÇOU COM LAMA E CORPOS SUJOS. A FESTA FOI INSPIRADA EM OLINDA.

A TERÇA-FEIRA DE CARNAVAL FOI DE FESTA NA PRAÇA DOS LEÕES, NO CENTRO, COM O BLOCO AS GATA PIRA