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Alguém precisa lhe dar limites

2018-04-16 01:30:00

Calma, não se deixe levar pela emoção, continue a leitura do texto e creio que você compreenderá meu ponto de vista. Escrevo aqui sobre exercícios e limites. Há uma certa visão romântica que limites existem para serem superados e isso pode induzir as pessoas a acreditarem que são capazes de superar qualquer desafio, por meio de estratégias motivacionais. O problema é que não há limites para o desejo, mas existem limites para as estruturas que compõem o corpo humano.


Nas redes sociais pipocam histórias de recordes pessoais quebrados apesar de condições de saúde adversas, participação em eventos esportivos desafiadores mesmo sem treinamento planejado, indivíduos que decidiram competir lesionados mesmo sem o aval do médico e do treinador. Para alguns isso é considerado superação, eu quase sempre encaro como irresponsabilidade, até porque conheço várias histórias sobre o que aconteceu DEPOIS dessa “glória facebookiniana” e há relatos que incluem lesões musculoesqueléticas importantes, retorno ao sedentarismo e até alguns casos em que o sujeito se arrepende e decide que da próxima vez vai se preparar adequadamente.


Em uma dissertação do mestrado de Ciências Sociais/Antropologia da PUC de São Paulo, defendida em 2007, sobre a fantasia de atleta no imaginário de corredores amadores, a autora apresenta que uma das características principais dos novatos no universo das corridas de rua é a vontade de abandonar a condição de iniciantes o mais rápido possível. Isso é deveras preocupante, pois na ânsia de sentir inserido entre os “veteranos”, o praticante pulará etapas de sua preparação, correndo todos os riscos inerentes ao desrespeito de princípios básicos do treinamento esportivo.


Questões inegociáveis como segurança e confiança podem passar despercebidas pelos praticantes mais ansiosos ou mais apaixonados pelo esporte, mas nunca, eu repito, nunca, pelo olhar atento de um treinador. Nessa crise de autoridade em que estamos mergulhados, o profissional de Educação Física, independente da sua área de atuação, tem que trazer para si a responsabilidade de decidir sobre questões relacionadas ao exercício que o praticante não tem maturidade ou conhecimento para fazê-lo.


- “Mas professor, eu conheço meu próprio corpo”.


- “Mas professor, é meu sonho concluir essa prova”.


-“Mas professor, eu estou me sentindo bem...”.


Esses argumentos, frequentemente apresentados pelos praticantes que hipervalorizam suas próprias condições, devem ser considerados, mas não antes do respeito à segurança e integridade física. Avaliações periódicas, controle das cargas (interna e externa) de treino, feedback constante,progressão de acordo com a aptidão física e ajustes circunstanciais das estratégias de treinamento podem culminar na realização de desafios esportivos impressionantes, com a existência de algum risco, mas completamente controlados.


Profissionais envolvidos com prescrição de exercícios não podem se acovardar e deveriam desenvolver competências tanto para motivar e desafiar quanto para dizer NÃO quando necessário. Já tive que dizer alguns “nãos” e isso me rendeu: cara feia, cara triste, perda de clientes e até notificação judicial, mas não troco nada disso pela sensação de consciência tranquila e que cumpri meu papel profissional zelando pela saúde de quem não sabe avaliar seus próprios limites.


Bons treinos!

Gabrielle Zaranza

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