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Treinar também o que foge do olhar

2018-02-26 01:30:00

 

POR ROSSMAN CAVALCANTE

rossmancavalcante@opovo.com.br

 

Você já ouviu falar que alguns governantes não gostam de investir o dinheiro público em obras básicas de saneamento, especialmente relacionadas à rede de esgoto? A justificativa, por mais tosca que possa parecer, seria que o resultado final permanece enterrado no solo, ou seja, pelo fato de não ficar exposto aos olhos dos eleitores, tal obra não se converteria em votos nas próximas eleições.

Essa visão míope não ocorre apenas na política. Nos programas de exercícios físicos também acontece algo similar. Por decisão própria ou por pressão de seus clientes, alguns profissionais de Educação Física prescrevem o treinamento apenas para os músculos que ficam expostos, esquecendo-se que há uma infinidade de grandes e pequenos músculos profundos, que não irão aparecer nas selfies de academia, mas absolutamente importantes para a saúde musculoesquelética, postura e até para o desempenho físico.

Para produzir os infindáveis movimentos que somos capazes, os músculos alternam suas funções: ora assumem o protagonismo, ora auxiliam os protagonistas na geração da força, podem estabilizar as articulações envolvidas, podem frear os movimentos de acordo com a necessidade e ainda podem simplesmente relaxar para permitir que outro grupo muscular realize um movimento diferente. Creio que deu para perceber que a produção de movimento raramente envolve ação muscular individual e exclusiva, pelo contrário, na maioria das vezes pressupõe uma ação coordenada e sinérgica entre vários músculos, incluindo alguns fora do seu comando voluntário.

Independentemente dos objetivos do praticante de exercícios, todo programa de treinamento físico deveria garantir estímulos suficientes para o desenvolvimento dessa coordenação entre músculos superficiais e profundos, evitando sobrecarga desnecessária nas estruturas móveis e exposição ao risco de lesão ou prejuízo de função.

- “Mas professor, fortalecer músculos profundos não vai impressionar ninguém na praia”.

É verdade, vamos pegar como exemplo os multífidus, músculos muito pequenos, localizados entre as vértebras da coluna e que estão abaixo de outras estruturas anatômicas. Mesmo que você ostente, sem camisa, multífidus fortes e resistentes, ninguém vai notá-los, porém se esses músculos intrínsecos estiverem atrofiados ou atuando de forma descoordenada com outros grupos musculares, você é um sério candidato a ter dor nas costas (especialmente na região lombar) e não conseguir realizar adequadamente uma série de exercícios tradicionais muito importante para sua estética e performance.

Não é necessário “gastar” seu treino com vários exercícios isolados para os músculos profundos, pois eles trabalham muito bem durante a prática de alguns exercícios convencionais, principalmente os que envolvem pesos livres e desde que você incorpore alguns ajustes na postura e na técnica de execução.
Penso que o profissional de Educação Física responsável pela prescrição e supervisão dos exercícios não deve abrir mão dessa abordagem mais integral do treinamento. Voltando para analogia do 1º parágrafo, o eleitor pode até não ver obras básicas de saneamento, mas na próxima chuva quando a água do esgoto não bater à sua porta, ele vai lembrar que alguém fez algo por ele e não foi para impressioná-lo.

Bons treinos!

Gabrielle Zaranza

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