Brasil: país-baleia, não sardinha
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Brasil: país-baleia, não sardinha

2018-11-11 00:00:00

Os brasileiros foram submetidos, na última semana, a sobressaltos comparáveis aos proporcionados por uma montanha russa, em termos de decisões desencontradas dentro da nova equipe que se prepara para dirigir o País, inclusive o próprio presidente eleito. A sensação de se estar diante de neófitos, sem quase experiência nenhuma sobre o que significa o exercício da mais alta instância do poder, só ganha acréscimos a cada dia. Se a esperança do futuro governo estava no "posto Ipiranga", o superministro da economia, Paulo Guedes (que já tinha trocado os pés pelas mãos, durante o período da campanha, a ponto de ser mandado a se recolher) este quase provoca uma crise com o Senado ao ameaçar a Casa com uma "prensa" por não se render às exigências do governo recém-eleito e ainda não empossado, que nem mesmo tem certeza sobre a amplitude, coesão e "apetite" de sua futura base parlamentar.

 

O pior mesmo veio quando o próprio Jair Bolsonaro quase enterrou décadas de árduo esforço para viabilizar três importantes mercados para os produtos brasileiros: o árabe, o chinês e o Mercosul. Com os árabes, o mal-estar ocorreu após o desastrado anúncio de uma pretendida mudança da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. Só quem cometeu esse estrupício, foi o fanfarrão Donald Trump e um de seus vassalos: o governo da Guatemala. O que teria o Estado brasileiro a ganhar ao meter sua colher numa das encrencas mais complicadas e insolúveis do planeta?

 

A parte oriental de Jerusalém foi tomada pelos israelenses na Guerra dos Seis Dias, em 1967, o que nunca foi aceito pela comunidade internacional. Desde então palestinos e judeus reivindicam a cidade como sua capital. Ao se meter na questão, o Brasil passa a ser visto como hostil aos interesses árabes, atraindo eventuais represálias. Ora, nunca tivemos atentados de grupos muçulmanos, em nosso território, e sempre fomos bem vistos por ambos os lados. Inclusive, árabes e judeus sempre conviveram pacificamente no Brasil. A troco de que iríamos bagunçar o coreto?

 

Bastou mencionar a questão da embaixada, e Jair Bolsonaro viu o Brasil ser retaliado pelo Egito, que suspendeu uma missão comercial e diplomática brasileira já em pleno curso naquele país. Os agropecuaristas, aflitos, botaram a mão na cabeça, vendo o risco de ir por água abaixo um comércio pujante - sobretudo de frangos - que mantêm com os árabes. Somente de janeiro a setembro deste ano foram exportados US$ 8,21 bilhões para a região. Em 2017, o agronegócio brasileiro vendeu para os árabes o equivalente a US$ 9,97 bilhões, considerando só alimentos. Acredita-se que até 2022 chegue à cifra de US$ 20 bilhões. Os árabes pretendem também investir no Brasil, especialmente, em infraestrutura, o que beneficiaria o setor rural, segundo a CCAB.

 

Por sua vez, o parceiro mais importante do Brasil, a China, cobrou explicações do presidente eleito sobre ameaças feita ao comércio entre ambos. Os chineses são os maiores compradores dos produtos brasileiros e importam mais do que exportam, além de ter investimentos volumosos em infraestrutura. Inquirições também vieram dos países do Mercosul, com quais o Brasil tem uma relação altamente vantajosa. Juntando a essas derrapagens diplomáticas as declarações sobre uma eventual guerra contra a Venezuela formou-se uma confusão de tal monta que foi preciso a entrada em ação de veteranos do Itamaraty e de membros militares escolados para desfazer as "pexotadas". Bolsonaro teve de voltar atrás na questão de Jerusalém, explicar-se direito com a China e acalmar os vizinhos do Mercosul. Sai da peleja com a pecha de defensor de uma política externa pautada pela ideologia (fundamentalista) em detrimento dos interesses reais do Estado brasileiro. Justamente o que havia acusado os petistas de fazerem. O caso da embaixada brasileira em Jerusalém fala por si mesmo.

 

Por incrível que pareça, é das Forças Armadas que os brasileiros estão esperando a exortação aos marinheiros de primeira viagem para que não levem o barco do País a pique. Há quem se espante com a desfaçatez da entrega do patrimônio estratégico da Nação aos interesses externos pelos testas de ferro do mercado financeiro. Se não houver o espírito de patriotismo dos setores nacionalistas das Forças Armadas - alegam os críticos - os gringos tomarão conta de tudo. E o Brasil estaria se arriscando a receber, mais cedo ou mais tarde, um chute no traseiro, como teria acontecido com o México e o Canadá, no governo Trump. Ninguém respeita quem não respeita a si próprio - lembram. Defendem que o Brasil não pode abrir mão de ter o mesmo status de independência desfrutado pela Rússia e pela China, pois tal como ambos, é um país-baleia, com potencial suficiente para singrar os mares do protagonismo internacional.

 

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