Joguem cordas para a democracia
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Joguem cordas para a democracia

2018-10-28 01:30:00

Os brasileiros estão sendo acompanhados, neste domingo, pelos olhares do mundo inteiro e, mais ainda, pela batida uníssona e sobressaltada de incontáveis corações, irmanados pela mesma angústia impotente, semelhante à que se apodera de alguém quando se vê diante da situação inesperada de testemunhar um grupo de pessoas sendo arrastado por uma correnteza caudalosa em direção a uma cachoeira colossal, enquanto alguns abnegados salva-vidas tentam jogar cordas para que agarrem e possam ser puxadas antes do mergulho fatal. Tal é a situação em que se encontra o Brasil nesta eleição mais decisiva de sua História, quando ou nada em direção às cordas salvadoras da democracia, ou mergulha, inapelavelmente, no abismo da ditadura. Terá o brasileiro vocação para o suicídio? Nunca pareceu, pelo menos até hoje.

 

Sempre que o povo brasileiro esteve à beira do precipício, foi empurrado para lá, nunca por espontânea vontade. Foi assim na maioria dos momentos históricos: geralmente outros tomaram a decisão em seu lugar. No máximo, serviu de bucha-de-canhão para que terceiros disparassem. Dessa vez, é certo, os eleitores caminham sem vendas nos olhos, ainda que aturdido pelos choques elétricos causados pelos ferrões virtuais que tentam mantê-los dentro do corredor polonês da desinformação e obrigá-los a pular no despenhadeiro mortífero no qual desemboca.

 

Mas a esperança é a última que morre, como se diz. Para salvá-los da sereia do autoritarismo e do ódio é preciso exortá-los a que se agarrem ao que restou do ordenamento democrático e cerrem fileiras em torno dos fiapos da Constituição do Dr. Ulysses. Do que se trata agora é de salvar a democracia e impedir que uma cultura louvada e admirada no mundo inteiro por sua alegria de viver, pela tolerância, pelo caldeamento de etnias, pelas ricas expressões culturais e pela sabedoria ancestral dos povos nativos, ou dos arrastados à força para cá, bem como pelos que vieram por opção, não tenham seu fio unificador rompido pela intolerância ditatorial e o ódio.

 

A propósito, é bom trazer à vista de todos o apelo e a admoestação do Conselho Episcopal Pastoral (Consep) da CNBB: "Exortamos a que se deponham armas de ódio e de vingança que têm gerado um clima de violência, estimulado por notícias falsas, discursos e posturas radicais, que colocam em risco as bases democráticas da sociedade brasileira. Toda atitude que incita à divisão, à discriminação, à intolerância e à violência, deve ser superada. Revistamo-nos, portanto, do amor e da reconciliação, e trilhemos o caminho da paz!". Cristo, como se sabe, não pertencia à categoria dos considerados "homens de bem" (que se julgam superiores aos demais). Ele andava na companhia da escória do mundo: prostitutas, ladrões, mal-afamados e todos aqueles diante dos quais os "homens de bem" torcem o nariz, ainda hoje. A esses, diz: "Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra" - logo eles que continuam a prendê-lo e torturá-lo. Certamente, hoje diriam: "Cristo bom é Cristo morto! " Tanto, que O prenderam, torturaram e mataram.

 

Foi a um ladrão arrependido que Ele disse: "Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso! " Ou se dirigindo de novo aos "homens de bem": "As prostitutas vos precederão no Reino dos Céus". Que blasfemo, hein? Por isso, os bispos católicos se juntaram ao povo evangélico, esta semana, e repassaram as palavras que Jesus diria aos seus seguidores num dia como o de hoje: "Eleições são ocasião de exercício da democracia que requer dos candidatos propostas e projetos que apontem para a construção de uma sociedade em que reinem a justiça e a paz social. Cabe à população julgar, na liberdade de sua consciência, o projeto que melhor responda aos princípios do bem comum, da dignidade da pessoa humana, do combate à sonegação e à corrupção, do respeito às instituições do Estado democrático de direito e da observância da Constituição Federal". Ele não recomendaria, certamente, levar um cabo e um soldado para fechar o STF.

 

A forma explícita de dizer as coisas foi bem expressa no artigo "Foi o eleitor quem puxou o gatilho", de Daniela Lima, editora do Painel da Folha de S. Paulo (https://bit.do/ezr9r): "Se houver uma caçada à imprensa, supressão de ONGs, retrocessos para os índios, fim de pactos ambientais; se o aparato estatal for usado para identificar e punir opositores, se os gays voltarem para o armário, se o fosso salarial entre mulheres e homens se aprofundar, se o ministro e guru da economia ficar de saco cheio e pedir para sair, se for possível gravar uma cena de faroeste por dia no trânsito... Se isso ocorrer, ninguém poderá dizer que não sabe de onde veio o tiro na democracia. Foi o eleitor quem puxou o gatilho".

 

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