A volta do desatino autoritário 

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A volta do desatino autoritário

2018-09-09 00:00:00

 

A semana que passou foi uma das mais desoladoras para a vida do País, do ponto de vista político, jurídico, institucional e cultural (incêndio do Museu Nacional) e terminou, de forma ainda mais preocupante, com a facada contra o candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro e a tentativa de se criar um clima de instabilidade institucional, que é tudo o que o Brasil democrático não quer. Ainda bem que o non-sense ficou confirmado com a identificação do suposto agressor, detido na hora: Adélio Bispo de Oliveira, aparentemente portador de distúrbio mental. Resta investigar com rigor os fatos e repudiar qualquer tipo de violência. Esse pedido, aliás, vem sendo feito desde o começo do ano, quando ocorreram atentados às caravanas de Lula e ao acampamento Maria Letícia, em Curitiba, e o assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro.

A semana já começara mal, sob a égide de mais um julgamento polêmico da Justiça brasileira (Tribunal Superior Eleitoral - TSE e Supremo Tribunal Federal - STF) ao negar cautelares ao ex-presidente Lula para concorrer às eleições, sub judice, conforme concedera o Comitê de Direitos Humanos da ONU. O resultado colateral foi a cassação prática de 60 milhões de brasileiros, no que tange ao seu direito de escolher o candidato de sua preferência para dirigir a Nação, violando o art. 25 do Pacto de Direitos Humanos e Civis da ONU.

O mesmo juiz Édson Fachin, que demonstrara em sentença primorosa que o Brasil não poderia deixar de cumprir um tratado internacional (citou a Convenção de Viena) e deveria conceder a liminar requerida pelo Comitê da ONU para que Lula pudesse concorrer às eleições (até que seu processo tenha sentença definitiva), desdisse, na mesma semana, tudo que o afirmara.

Decisão acompanhada pelo decano Celso de Mello, do STF, quando chegou sua vez de atender recurso semelhante, na Corte suprema. E isso apesar de existirem vídeos de ambos defendendo a superioridade hierárquica dos tratados internacionais sobre as leis ordinárias, como a da Ficha Limpa. Assim, os dois assumem, perante seus pósteros, a biografia que estes conhecerão quando estudarem este período obscuro em que a imagem da Justiça brasileira se junta às exibidas em 1937 (Estado Novo) e 1964 (ditadura civil-militar), quando validou os estados de exceção de então.

A história brasileira demonstra que a violência e a ruptura institucionais sempre partiram dos segmentos sociais detentores do poder real, não das forças populares-democráticas. Que o diga a geração que viveu o regime constitucional democrático de 1946 até seu naufrágio em 1964. Ela não conhecera a ditadura do Estado Novo e imaginara que a democracia recobrada em 1946 seria respeitada, após a decisão da vontade soberana do povo, traduzida em uma Assembleia Nacional Constituinte originária. Ledo engano.

Antes do fatídico 1964, a cassação do registro do PCB, em 1947; a tentativa de golpe contra Getúlio Vargas, que redundou em seu suicídio, em 1954; as investidas para impedir a eleição e posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, seguidas das tentativas para depô-lo; a sublevação de uma Junta Militar para impedir a posse do vice-presidente constitucional João Goulart, quando da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, já vinham demonstrando que a classe dominante brasileira não tinha compromisso com a democracia.

Mesmo assim, foi um choque o golpe de 1964, que atiraria o País em uma longa noite ditatorial de mais de 20 anos de duração. Ou seja, não houve um período sequer, desde 1946, em que setores do andar de cima deixaram de atentar contra o Estado Democrático de Direito. O pior é que com a Constituição de 1988 e o fim da Guerra Fria, imaginava-se que a burguesia brasileira finalmente havia se convertido à democracia e não violaria mais as regras do jogo democrático. O quadro atual demonstra o quanto isso foi um sonho de uma noite de verão. Depois de quatro derrotas eleitorais sucessivas para as forças populares, os de cima perceberam que a maioria social não queria mais voltar para seu cabresto. Daí, mandaram os escrúpulos às favas, deram um golpe branco, derrubaram o governo legítimo, prenderam a maior liderança popular do Brasil para impedir sua eleição, e, agora, se isolam da comunidade internacional.

Resta saber se as urnas de 7 de outubro próximo consagrarão mais esse desatino histórico ou, ao contrário, driblarão a armadilha da validação do golpe, elegendo um candidato que possa trazer o Estado Democrático de Direito de volta, em toda sua plenitude.

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