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VERSÃO IMPRESSA

Uma guerra política-ideológica

2018-06-17 00:00:00

Chega ao fim uma semana estremecida por uma entranhada guerra político-ideológica e de classes, sob aparências simbólicas, quando o establishment golpista precipitou-se ao lançar o que imaginava ser um petardo devastador contra as forças progressistas (sobretudo o PT) e, mais do que tudo, contra a candidatura Lula, na tentativa de atirá-las no pântano do descrédito e, de sobejo, desmoralizar a ala “progressista” da Igreja e, supostamente, seu promontório principal, que está atravessado na garganta do capital financeiro: o papa Bergoglio (Francisco), o “peronista” (como é apodado em certos círculos adversários). Tem-se como elevado o nível de irritação que assoma certos segmentos da elite econômica nacional e internacional diante do naufrágio do golpe brasileiro e do inequívoco e transbordante prestígio de Lula junto a uma maioria incontornável e crescente de cidadãos eleitores.

TIRO NA ÁGUA


O “tiro na água” ocorreu logo após um novo visitante estrangeiro ser barrado na porta da carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, ao tentar visitar Lula. Desta vez, foi nada menos do que um consultor direto do Papa, membro do Pontifício Conselho Justiça e Paz da Santa Sé e organizador dos encontros mundiais do pontífice com movimentos sociais, o advogado argentino Juan Grabois - homem de absoluta confiança de Francisco. Ele trazia consigo um terço abençoado pelo papa, para ser entregue na ocasião, e a mensagem do pontífice sobre os movimentos sociais, junto com o desejo de escutar Lula, saber sua opinião sobre essa iniciativa pastoral e, claro, ouvir do próprio encarcerado as impressões sobre os fatos e os processos que culminaram em sua prisão, para repassar isso ao Pontífice.

ARMAÇÃO GOLPISTA
 

Tanto bastou para que uma onda violenta de ataques fosse despejada contra o visitante, Lula e o PT, tomando como fonte um esquisito comunicado do site Vatican News, articulado não se sabe como, cheio de erros de informação e até de técnica redacional, desautorizando o visitante como consultor do Papa, e renegando o presente (terço), tido como fake news. Grabois entrou em contato com o Vaticano e teve confirmadas suas suspeitas de “armação” (fake news) direitista. A nota foi removida incontinenti do Vatican News e substituída por outra, reiterando as credenciais de Grabois e tudo o que ele falou. Este, em seguida, divulgou uma carta a Lula explicando a trama da direita: https://bit.do/emUqM.

AMARRAS


O Papa é, ao mesmo tempo, chefe da Igreja (pastor) – à frente da Santa Sé - e chefe de estado do Vaticano. Neste último papel, está atado por regras diplomáticas que regem as relações entre estados soberanos. Isso, na verdade, dá autonomia à Igreja frente aos governos – o que é positivo – mas, ao mesmo tempo, a tolhe na expressão espontânea de sua missão intrínseca: a espiritual e a de perita em humanidade. Sem esquecer que a própria dimensão espiritual é mediada ainda pela estrutura institucional hierárquica-formal. A limitação principal é a estrutura estatal (mas a eclesiástica não fica atrás). No caso Lula, o Papa não poderia agir como chefe de Estado, pois exigiria negociações formais prévias para não ser acusado de ingerência em assuntos internos de outro Estado soberano. Mas, como pastor, tem obrigação de consciência e o múnus pastoral para socorrer o injustiçado, o oprimido. E aí, lança mão de um emissário informal para fazer chegar seus sinais, emitindo gestos simbólicos (sem precisar acionar a hierarquia local). Quando a situação exige atitudes mais explícitas, segue-se uma gradação de gestos na qual o pastor pode ganhar relevância sobre o chefe de estado. A depender do que está em jogo.

LEGITIMIDADE
 

Muitos prefeririam que a Igreja Católica se livrasse das amarras temporais. Contudo, o poder de Estado, se usado corretamente, pode ajudar a Igreja a proteger os oprimidos, os sem voz, na ação diplomática concreta, frente ao poder político e econômico – argumentam outros. O fato é que, por agir mais como pastor, o Papa Francisco é rejeitado pelo establishment financeiro, por ser hoje a única voz com audiência universal a denunciar o sistema dominante. É quase uma persona non grata. O fato de lançar mão de emissários informais, para escapar da armadura a que é cingido como chefe de estado, não tira a legitimidade desse corpo de auxiliares e colaboradores, como Grabois, não carimbados pela nomenclatura diplomática oficial.

Valdemar Menezes

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