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Alquimistas do desastre

2017-11-19 00:00:00

Segmentos da classe dominante brasileira, envolvidos no golpe do impeachment, estão percebendo os riscos de terem instigado, oportunisticamente, a extrema direita-direita a entrar no cenário político para fustigar as forças progressistas, imaginando que comeriam as castanhas assadas no fogo do ódio extremista. Agiram como alquimistas noviços que introduzem nitroglicerina, na mistura química, arriscando causar explosão fulminante. Um dos que deram aval à manobra foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que não impediu as articulações de Aécio Neves para depor o governo de Dilma Rousseff, depois de derrotado nas urnas. Houve sinal verde para a desestabilização do governo, com os tucanos se aliando à banda “podre” do PMDB, liderada por Eduardo Cunha. Com amplo respaldo dos grandes meios de comunicação, fizeram frente comum, nas ruas, com defensores da “intervenção militar”.


 

BRECHA
 

Metidos no mesmo lamaçal do grupo que tomou o poder, ilegitimamente, os tucanos ficaram expostos e logo rejeitados pelas pesquisas de opinião. E aí viram que não têm candidato para enfrentar Lula, disparado nas sondagens pré-eleitorais. A brecha deixada pela centro-direita foi ocupada pela extrema-direita. E aí o alarme soou, pois significaria, segundo alguns, dar poder a um pessoal aventureiro, despreparado, obscurantista, adepto da violência e avesso ao liberalismo político democrático. Seus heróis são antigos torturadores da ditadura, como Carlos Alberto Brilhante Ustra e outros - argumentam. Na última quinta-feira, em matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, FHC, em palestra nos EUA, reconheceu a possibilidade de o Brasil repetir a experiência italiana depois da Operação Mãos Limpas e eleger um presidente de direita similar a Silvio Berlusconi, na esteira da Lava Jato. Na verdade, seria muito pior, pois reconheceu que a direita a que se refere é formada por “pessoas perigosas”.
 

 

“LÍDER”
 

FHC prosseguiu: “Um dos candidatos propôs me matar quando eu estava na Presidência. Na época, eu não prestei atenção. Mas hoje eu tenho medo, porque agora ele tem poder, ainda não, ele tem a possibilidade do poder.” De fato, em entrevista à TV Bandeirantes, em 1999, Bolsonaro afirmou que seria impossível realizar mudanças no Brasil por meio do voto. “Você só vai mudar, infelizmente, quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando 30 mil, e começando por FHC”. O candidato extremista já teria sido flagrado, outras vezes, repetindo essa possibilidade de correr sangue, se houver resistências às suas medidas autoritárias – segundo apontam observadores nacionais e estrangeiros. As manifestações que o acompanham têm sido comparadas às da ascensão dos nazistas. Há um vídeo nas redes sociais onde ele se dirige a cadetes da Escola de Agulhas Negras, que parece saído de um documentário alemão dos anos 30: ele é ovacionado, aos gritos de “líder”, tal como se fazia com Hitler, aclamado como führer (líder em alemão) pelos seus adeptos (http://bit.do/dTYxy).
 

 

ÜBER ALLES
 

O lema de sua campanha é: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. É o mesmo dístico dos nazistas: “Alemanha acima de tudo” (Deutschland über alles), só que acrescido da referência a Deus para atrair setores conservadores evangélicos. Sabemos em que deu isso. O estilo virulento é o mesmo – segundo seus críticos. A ideia de exterminar 20 mil a 30 mil opositores foi executada, respectivamente, pelas ditaduras militares do Chile e da Argentina, nos anos 70, admiradas pelo candidato. No Chile, o golpe foi dado para transformar o país no primeiro laboratório do neoliberalismo, massacrando os assalariados, inclusive, acabando com a aposentadoria pública. Hoje, só os ricos, naquele país, se alegram com a mudança ocorrida: trabalhadores e classe média perderam proteção social. Na Argentina, além do morticínio dos opositores, a ditadura promoveu uma guerra insana para expulsar os ingleses das Malvinas, na qual sacrificou, inutilmente, sua juventude e sofreu uma derrota humilhante.
  

 

CEGUEIRA
 

Uma guerra civil como preconiza – como possibilidade – Bolsonaro é um dos conflitos mais cruéis que podem recair sobre uma nação. Nunca valeu a pena. Muito pior do que uma guerra contra um inimigo externo, pois os ódios são maiores, tal como acontece numa briga de família. No Brasil, o terreno já vem sendo adubado para isso. Só não vê quem não quer. As forças progressistas e democráticas brasileiras estão cometendo o mesmo erro de suas congêneres alemãs, no período da ascensão do nazismo: estão divididas. Isso levou Hitler ao poder, através de uma eleição realizada à base de pressões e intimidações. A partir daí, o führer implantou um regime de terror, sob o pretexto de combater “inimigos internos” da nação. Socialdemocratas, comunistas, liberais e o partido de influência católica se deram conta, tarde demais, do quanto erraram e foram sectários quando se recusaram a aliar-se para enfrentar a extrema-direita, enquanto isso era ainda possível. Será que as forças democráticas brasileiras estão tão cegas que não enxergam o perigo? É a indagação que se começa a ouvir nos segmentos mais lúcidos.

Valdemar Menezes

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