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Réquiem para a democracia

2017-10-29 00:00:00


A recusa da denúncia contra Michel Temer pelo Congresso coroa a desmoralização completa das instituições e é a prova definitiva de que a deposição de Dilma Rousseff não teve como objetivo o combate à corrupção. Foi um simples golpe de Estado para fazer chegar ao governo as forças derrotadas nas eleições de 2014 e mudar ilicitamente o programa de governo rejeitado pelas urnas; tirar da Constituição, ilegitimamente, as conquistas sociais dos trabalhadores e entregar as riquezas nacionais às forças externas que vinham lutando por isso desde o suicídio de Getúlio Vargas em 1954. Não queriam um Brasil forte, respaldado por recursos naturais invejáveis e uma indústria respeitável que pudessem dar sustentação a uma liderança continental e servir de estorvo à geopolítica americana e europeia na esfera global. A última pilhagem foi o leilão dos campos de petróleo do pré-sal, prometidos por José Serra (PSDB) à Exxon, conforme documentos publicados pelo Wikileaks.
 


FORA DA LEI


A convicção que se espalha na sociedade é a de que não mais existe Estado de Direito Democrático no Brasil. Há apenas um simulacro de democracia, tão falso como uma nota de 30 reais. Ao lado do desmonte do Brasil como nação digna e soberana, desacreditaram a democracia como regime de respeito e igualdade de todos perante a lei, na medida em que esta virou uma mera formalidade de fachada – segundo esse entendimento. O caminho ficaria, assim, perigosamente aberto à investida de qualquer grupo que não se considere obrigado a respeitar a uma ordem “fora-da-lei”. É uma temeridade deixarem as coisas chegar a esse ponto, dizem as vozes inconformadas. Afinal – perguntam – foi para isso que tanta gente morreu, foi presa, torturada e exilada?
 


REALISMO
 

Enquanto analistas liberais estão convencidos de que a pujança econômica da China, mais cedo ou mais tarde refluirá, por não ter como pano de fundo instituições políticas pluralistas, outros não consideram isso uma condição imprescindível para seu desempenho, tendo em vista a convicção chinesa de que o país se despedaçaria por conta de particularismos regionais e étnicos, se não tivesse um governo central muito forte para manter coesa uma população de mais de 1 bilhão e 300 milhões de habitantes. Só seu mercado interno já é um verdadeiro colosso. Os chineses procuram um modelo econômico, social e político moldado segundo suas peculiaridades culturais e históricas. Da experiência histórica da humanidade pegam apenas aquilo que pode ser adequado à sua realidade.
 


INSPIRAÇÃO
 

A leitura chinesa do marxismo parece espelhar e reproduzir, até às últimas consequências, a NEP (Nova Política Econômica), aplicada por Lênin, na URSS, logo depois da guerra civil e do chamado “comunismo de guerra”, quando toda a economia foi requisitada para o enfrentamento da contrarrevolução. Vencida esta, a Rússia continuava a ser um país camponês. Lênin concluiu que o socialismo não tinha como ser viável, sem industrialização e investimentos massivos em infraestrutura. Descapitalizado, o noviço regime soviético devolveu à iniciativa privada alguns setores da economia para poder acumular capital. Mas, a experiência durou pouco, pois, com a ascensão de Stálin, foi sufocada e iniciou-se um processo de coletivismo forçado.
 


GATOS E RATOS
 

Pois bem, a China, desde Deng Xiaoping, parece vir retomando aquela experiência frustrada da NEP, deixando a economia de mercado expandir-se o máximo possível (“não importa a cor do gato, mas, se ele caça ratos”), com a condição de o governo direcionar os investimentos para os segmentos estrategicamente escolhidos. Desde que também não se abrisse mão do controle central exercido pelo partido sobre a sociedade. Quanto mais complexo se torna o sistema, mais se reforçam os controles políticos sobre ele, de modo a impedir que as forças do mercado ameacem o poder político. Por isso, ao iniciar a etapa desenhada para colocar-se como primeira potência na hierarquia do poder mundial, substituindo os EUA, o Congresso do PCC reforçou o poder do Estado e os controles do partido sobre toda a sociedade, e não o contrário, como esperavam os liberais. Há pouca dúvida de que esse modelo de sociedade é inaplicável a países ocidentais. E a própria China reconhece isso. Mas, lá, parece
que funciona bem.
 


NEP
 

A teoria de Lênin para abrir caminho ao socialismo em países onde o capitalismo não estivesse desenvolvido é a tomada do poder pelo proletariado e, sob o domínio político deste, serem realizadas as etapas faltantes do desenvolvimento capitalista. A China parece ter-se proposto a levar aquele modelo encarnado pela NEP até suas últimas consequências. O novo passo agora seria continuar a desenvolvê-lo numa escala que lhe permita alcançar o status de potência número 1 do planeta, usando os mesmos instrumentais comerciais das potências capitalistas. Segundo Marx, o socialismo surgiria das entranhas de um capitalismo esgotado, cujo dinamismo seria travado pelo emperramento de suas forças produtivas. Explicar-se-ia, assim, o esforço hercúleo da China de levar o seu capitalismo até onde este aguentar. Só então viria o socialismo de verdade, que só poderia existir globalmente. Xi Jiang se tornou o ideólogo sacramentado para orientar essa nova etapa.

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