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Grávida de cinco meses. Pelos ouvidos!
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Jornalista, compositor, escritor, humorista, cantor e pesquisador da cultura popular. Escreveu várias composições em parceria com Falcão. É autor do livro

Tarcísio Matos arte e cultura

Grávida de cinco meses. Pelos ouvidos!

 

Cinco amigas grávidas na maior animação, trocando ideias, felizes que só com os rebentos guardados em seus amorosos ventres. Três eram mães de primeira viagem; demais, na segunda experiência gestacional. Conversa rola agradável; testemunho de uma a inspirar a história da outra. Em meio às futuras mamães, dona Biluca, zelosa auxiliar de serviços gerais do local onde se dava a reunião.

 

Uma buchudinha falava e logo a senhora, espanando um móvel, varrendo um canto de salão, dizia algo em complemento, revelando-se conhecedora profunda dessas coisas de dar à luz. Impressionantes instruções. Também, com aquela idade - 65 anos! Dicas primorosas. Exemplo: o que fazer pra o menino parar de soluçar, dona Biluca?

 

- Pegar um 'moizim' de linha encarnada, molhar de cuspe, e colocar na testa dele.

 

- E mau olhado? - indagava a mais novinha entre as mãezinhas.

 

- Rezar na cabeça do cristão, fazendo cruz com ramo de arruda: "Com dois te botaram, com três eu te tiro / Quebrante e mau-olhado / Vai-te pras ondas do mar sagrado / Olhos amaldiçoados..."

 

- É pra fechar a moleira do bebê?

 

- Passar o fundo dum pires no cocuruto do quengo, três vezes, no sentido horário...

 

De onde tanta categoria? Como sabia esse horror de coisas sobre ser mãe, gravidez, cuidados com o nascituro? A pergunta que não calava. E Biluca, que nunca fora mãe de mesmo, de vera, vogando, responde na maior pureza:

- De tanto mãe dizer que eu emprenhava pelos ouvidos, quando era moça, devo ter sido mãe de uma duzentos e pouco...

 

Ciúme mortal

Dedé estava já no caixão, mortinho da silva e sousa. Finado André da Silva e Sousa deixou-nos a convivência física por força de uma diarreia braba. Ei-lo, agora, velado na sala de casa, na companhia de familiares e amigos contristados. Entre rodadas de quissuco com broa e filhós (e até lapadinhas de cana com serigoela), as lembranças debulhadas do homem bom que fora há pouco, as anedotas sem ventura, a fé inabalável de quem acreditava em seu Ferrim campeão do Brasileirão, derrotando o Flamengo no Maracanã, na final, por 5 a 0.

 

Mas, o sentimento de um dos presentes à vigília ao defunto, ali, destoava do clima de comoção, pesar, tristeza e saudade reinante. Era a peitica que exalava silente e materializada das entranhas turbadas do fígado de Ligório, desafeto do falecido. Já "tinham ouvisto" falar de um vivo com ciúmes de um morto? Pois é vero. Sucedeu.

 

Motivo: Tonha, grande amor de Ligório, fora-lhe tomado por Dedé, que mesmo morto não matava no sujeito vivo a zanga, temperada de tudo que era ruim. Queria vingança pela decepção sofrida, ainda que o adversário estivesse caçuletado. Pensou em tocar fogo na casa e ir tudo pro beleléu; desistiu, não tinha fósforo pra fazer a coivara. Pensou em pintar o pau da venta do de cujus de preto e branco, ele que era tricolor doente. E mais isso e aquilo inconfessáveis.

 

Tendo Dedé por futuro próximo as paisagens gélidas do São João Batista, sabe qual o ato derradeiro de Ligório, ao lado do caixão, fingindo chorar a partida do cadáver? Uma dúzia de beliscões em seu bucho hirto! Cada beliscão, um motivo.

 

- Esse é pra nunca mais tomar a mulher alheia. Esse, pra tu largar de bulir com o que tá quieto. Esse, pra parar de beijar Tonha na igreja. Esse, pelo bucho que ela pegou. Esse, pela minha dor de cotovelo. E esse último, por ter morrido vazando pelo pito.

 

Foto do Tarcísio Matos

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