Jornalista, compositor, escritor, humorista, cantor e pesquisador da cultura popular. Escreveu várias composições em parceria com Falcão. É autor do livro
Jornalista, compositor, escritor, humorista, cantor e pesquisador da cultura popular. Escreveu várias composições em parceria com Falcão. É autor do livro
Cinco amigas grávidas na maior animação, trocando ideias, felizes que só com os rebentos guardados em seus amorosos ventres. Três eram mães de primeira viagem; demais, na segunda experiência gestacional. Conversa rola agradável; testemunho de uma a inspirar a história da outra. Em meio às futuras mamães, dona Biluca, zelosa auxiliar de serviços gerais do local onde se dava a reunião.
Uma buchudinha falava e logo a senhora, espanando um móvel, varrendo um canto de salão, dizia algo em complemento, revelando-se conhecedora profunda dessas coisas de dar à luz. Impressionantes instruções. Também, com aquela idade - 65 anos! Dicas primorosas. Exemplo: o que fazer pra o menino parar de soluçar, dona Biluca?
- Pegar um 'moizim' de linha encarnada, molhar de cuspe, e colocar na testa dele.
- E mau olhado? - indagava a mais novinha entre as mãezinhas.
- Rezar na cabeça do cristão, fazendo cruz com ramo de arruda: "Com dois te botaram, com três eu te tiro / Quebrante e mau-olhado / Vai-te pras ondas do mar sagrado / Olhos amaldiçoados..."
- É pra fechar a moleira do bebê?
- Passar o fundo dum pires no cocuruto do quengo, três vezes, no sentido horário...
De onde tanta categoria? Como sabia esse horror de coisas sobre ser mãe, gravidez, cuidados com o nascituro? A pergunta que não calava. E Biluca, que nunca fora mãe de mesmo, de vera, vogando, responde na maior pureza:
- De tanto mãe dizer que eu emprenhava pelos ouvidos, quando era moça, devo ter sido mãe de uma duzentos e pouco...
Ciúme mortal
Dedé estava já no caixão, mortinho da silva e sousa. Finado André da Silva e Sousa deixou-nos a convivência física por força de uma diarreia braba. Ei-lo, agora, velado na sala de casa, na companhia de familiares e amigos contristados. Entre rodadas de quissuco com broa e filhós (e até lapadinhas de cana com serigoela), as lembranças debulhadas do homem bom que fora há pouco, as anedotas sem ventura, a fé inabalável de quem acreditava em seu Ferrim campeão do Brasileirão, derrotando o Flamengo no Maracanã, na final, por 5 a 0.
Mas, o sentimento de um dos presentes à vigília ao defunto, ali, destoava do clima de comoção, pesar, tristeza e saudade reinante. Era a peitica que exalava silente e materializada das entranhas turbadas do fígado de Ligório, desafeto do falecido. Já "tinham ouvisto" falar de um vivo com ciúmes de um morto? Pois é vero. Sucedeu.
Motivo: Tonha, grande amor de Ligório, fora-lhe tomado por Dedé, que mesmo morto não matava no sujeito vivo a zanga, temperada de tudo que era ruim. Queria vingança pela decepção sofrida, ainda que o adversário estivesse caçuletado. Pensou em tocar fogo na casa e ir tudo pro beleléu; desistiu, não tinha fósforo pra fazer a coivara. Pensou em pintar o pau da venta do de cujus de preto e branco, ele que era tricolor doente. E mais isso e aquilo inconfessáveis.
Tendo Dedé por futuro próximo as paisagens gélidas do São João Batista, sabe qual o ato derradeiro de Ligório, ao lado do caixão, fingindo chorar a partida do cadáver? Uma dúzia de beliscões em seu bucho hirto! Cada beliscão, um motivo.
- Esse é pra nunca mais tomar a mulher alheia. Esse, pra tu largar de bulir com o que tá quieto. Esse, pra parar de beijar Tonha na igreja. Esse, pelo bucho que ela pegou. Esse, pela minha dor de cotovelo. E esse último, por ter morrido vazando pelo pito.
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