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A riqueza do liso

01:30 | 29/04/2017

Cheguei em meio à conversação inteligente, bem-humorada, despachada e invocada travada por meus vizinhos por parte de mãe.

- Vizinhos por parte de mãe?

- Sim! A qualidade de vizinho cujo contato primeiro não foi com papai...

Dona Zika (que teve chikungunya), sempre afobada e cismada; seu Zeca (teve dengue), mais conciliador e afetuoso. Tema da ora, no exato minuto em que lhes encontrei na sala, arrotando solenes, sentadinhos em cadeiras de balanço no pós-almoço de sábado: “A riqueza do liso”.

- Riqueza de liso é chibata nos couros desde o parimento! – anuncia ela.

- Liso é rico de fé, mulher! – argumenta o marido.

- Conversa é essa uma hora dessa, Zeca! Liso é a imagem do cão!

- Pois disse Jesus: onde estiver o vosso tesouro, ali estará o vosso coração.

- O liso e o coração dele estão na UTI do hospital!

Me ri de um lado, refleti de outro. E já o colóquio se distancia da liseira amiga para ver em pauta agora a mania de limpeza dalgumas criaturas. Mais precisamente, a temática é: “Ambiente limpo é o que menos se suja”.

Dona Zika, expressiva:

- Joana de Zé Horácio (secretária deles) é tão limpa que dá noooojo!!!

- Como é que alguém fica ‘emzambuado’ com limpeza, bebê?

- Tem coisa que só presta fedendo. Peixe e as partes que tu aprecie n’eu, Zeca!

- Pois num se lave não, pra ver se eu ainda te frequento!!!

Televisor desligado, mas um breve olhar do sujeito para o aparelho acende na lembrança a roubalheira que a Justiça daqui anda descobrindo. Assunto em tela: “A cirurgia de Sérgio Moro do caroço do Brasil”. A palavra é de seu Zeca:

- Nunca vi tanta ‘cabuatagem’ entre amigos. É como diz o Zé Ramalho: “na tortura toda carne se trai...”

- Nesses tempos de Lava Jato, todo bicho apertado afrouxa!!!

- Quem tem amigo na Odebrecht não carece de inimigo no Congresso!

A toada muda de prumo. Palestra, meio que sem querer, versa sobre traição, chifre, ciúme, mal entendido. Mote dado por seu Zeca: “A outra na minha vida dele”. É que seu Zeca atende ingênuo o irmão pelo celular:

- Sim, claro! Lógico! Tenho outra!

- Tem outra o que, seu fela?!? – interfere Zika feito siri numa ‘latra’, levantando-se com as mãos nos quadris.

- Outra gravata, Zika! – responde o marido, aparelho distante da boca. – Manel meu irmão vai a um batizado e perguntou se eu tinha uma que emprestasse...

Servido cafezinho para acalmar ânimos - a possibilidade de rapariga na vida de Zeca tirou a mulher de tempo. Graças ao modo cortês dele, a conversa logo se endireita. Diálogo trata, nextante, de necessidades fisiológicas: “As diversas maneiras de dizer ‘vou obrar’”. A irreverente senhora pede licença.

- Vou ali, negrada, fazer um ‘02’!

- Zero dois?!? – indagamos simultaneamente eu e seu Zeca.

- Cagar, macho! Cagar!

Pra finalizar, as chuvas bacanas do ano em curso. Tópico em discussão: “Tô vendo sapo afogado no balseiro!” Zika, de volta, após tossir, embarca na ideia de seu Zeca:

- É chuva muita, dotô! Seis anos sem um inverno desses...

- Chove tanto que temo acabar a água do céu!

 

Adriano Nogueira

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