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Inventar pessoas
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Inventar pessoas


Criar personagens é como brincar de Deus. É um trabalho árduo e quase sempre recompensador. O escritor é dono do seu mundo, todo-poderoso, mantém o controle nas mãos, diverte-se a seu modo criando vidas com as palavras. Talvez essa sensação de poder explique porque as pessoas, cada dia mais, querem contar histórias. Por todos os lados há alguém que quer escrever livros, criar situações, colocar gente para amar, brigar, sentir as coisas até o limite. Muitos escrevem personagens para fazer, graças a eles, tudo o que a vida real não permite.

 

Há muitas maneiras de inventar uma pessoa. Às vezes começa pelo rosto - que vem em sonhos, em devaneios, ou de carona no rosto de alguém. A análise externa de um ser inspirador é um bom caminho. Observa-se o rosto, os olhos, o comportamento, como se veste, como movimenta o corpo nos gestos mais triviais - segurar uma xícara de café, coçar o nariz ou gesticular em uma conversa informal.

 

Ela ou ele pode ter uma história inimaginável na mera análise de sua aparência. Existe o que está na superfície, o que salta aos olhos, mas o interessante mora nas camadas que formam uma pessoa inteira. Beth Brait diz que personagens são pessoas de papel. Edward Morgan Forster foi um dos autores que desenvolveu a teoria do personagem plano em contraponto ao personagem redondo ou complexo.

 

O personagem plano é aquele sobre quem só sabemos um pouco, que compreendemos pela aparência ou por um conjunto limitado de informações. Se é bom ou mau, qual profissão exerce, que vida leva. Algumas pessoas passam pelo mundo como personagens planos, vivem o presente, cumprem obrigações, levam a vida nas costas e seguem sem maior complexidade.

 

É mais ou menos nesse pensamento que se constroem os vilões, as mocinhas apaixonadas dos livros água com açúcar, as narrativas que levam as ações para o extremo: a luta do bem contra as injustiças do mundo. O escritor experiente lembra a quantidade de tons entre essas duas condições. E lembra, também, que o ser humano muda um pouco, todos os dias.

 

Os personagens redondos, complexos, são os sujeitos com um rico universo interior, capazes de grandes paixões ou arroubos de fúria, que podem mudar de vida, de ideia, de pensamento. São exatamente os personagens dos livros, filmes e novelas que nunca esquecemos. Personagens bem construídos são como as pessoas incríveis que conhecemos na vida: a cada descoberta somos mais atraídos por suas personalidades.

 

Não existe um pequeno manual para invenção de pessoas, isso é uma aprendizado eterno e contínuo do escritor. As teorias ajudam, mas a observação e o mergulho na vida ainda são os caminhos mais seguros. Um aluno me disse que a paixão é também um exercício de criação de personagem. Tem toda razão. A paixão, o ódio, o medo, a raiva, a amizade, o amor. As pessoas são o que criamos sobre elas. No fim das contas, viver é escrever com a tinta dos minutos.

 

Foto do Socorro Acioli

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