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Escrever os sonhos
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Escrever os sonhos


A foto que mais me comoveu nos últimos dias veio como um sopro de silêncio no vendaval, uma promessa de alegria, desenhada na luz de um pequeno pátio ensolarado e uma rede verde, armada na sombra de um jambeiro. É setembro e o vento pintou o chão com a penugem cor de rosa das flores de jambo. A moça escreveu na legenda que aquele era o primeiro dia na nova casa, onde foi morar com seu amor.

 

Conheci os dois no ano passado e entraram na minha vida trazendo uma força imensa. Ela foi minha aluna em um curso de escrita literária. Ele chegou depois, indicado por ela. Quando estiveram juntos na minha frente, pela primeira vez, ainda viviam histórias difíceis e curavam suas cicatrizes, mas senti que pertenciam um ao outro. Uso o verbo pertencer não no sentido de posse, mas de completude.

 

Devo ter herdado da minha avó o honroso dom da alcovitagem. Dizem que quando ela batia o olho e adivinhava um par, ninguém ousasse duvidar da sua certeza. Raras vezes isto me aconteceu, mas aqueles dois me pareciam protagonizar um encontro de efeito estrondoso, como se estivessem no mundo com o sublime propósito de fazer feliz um ao outro.

 

Uma boa alcoviteira não poupa esforços para elencar os argumentos que disparam um grande amor. Confesso que não tive muito trabalho. Bastou a oportunidade de dizer a ela, na beira do mar, o que vi nos olhos do rapaz ao seu lado. Falei que sentia determinação nos seus gestos, uma força imensa na vontade de estar com ela.

 

Nada era fácil na vida que circundava os dois. Não era um amor em linha reta e estrada aberta. Seria preciso abrir picada na mata, aparar galhos e seguir com a determinação de quem ama profundamente a complexidade do outro. Amar é receber de alguém a força diária que a vida exige. No carinho cotidiano de um beijo distraído, um livro compartilhado, um trecho dito em voz alta na certeza de que seu par vai entender exatamente o sentido quase oculto de cada palavra.

 

Eles procuraram uma casa, escolheram juntos, levaram os móveis, cuidaram do chão onde serão felizes. Um dia depois do outro, pois na vida nada vem perfeito, tudo é conquista lenta, paciência, amor, sedução do corpo e das almas.

 

Tenho uma tatuagem no meu braço direito, em francês. Ecrire les réves. Escrever os sonhos. Marquei meu corpo para sempre em Paris, onde estive levada por um livro que escrevi. Fiz a tatuagem em um lindo ritual na casa onde me hospedei, com o propósito de nunca esquecer que sonhos não caem do céu, eles são escritos.

 

Ivna e Ronaldo aprenderam comigo que sonho é coisa que se escreve antes para viver depois. Estou orgulhosa, emocionada, comovida, sou um dos raios de sol sobre o jambeiro, sou vento que balança a rede, sou parte deste amor e por ele me alegro. Vivemos dias difíceis, confusos e de poucas certezas. Mas se em meio a isto tudo alguém quiser saber qual o sentido da vida, pergunte a um casal apaixonado. Eles estão vivendo a resposta.

 

Foto do Socorro Acioli

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