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Narrativa visual brasileira
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Narrativa visual brasileira


E de repente eu estava diante de um Rugendas. O sobrenome sonoro deste estrangeiro que pintava o Brasil ficou na minha lembrança desde os primeiros livros de História da escola. O espanto diante de um Rugendas era apenas a primeira epifania, só o começo dos efeitos da exposição Da Terra Brasilis à Aldeia Global, promovida pela Fundação Edson Queiroz em Fortaleza.

 

As salas da exposição estão dispostas em ordem cronológica, opção da curadora Denise Mattar por uma abordagem história e didática. Porém, vejo que a experiência de percorrer o caminho diante das obras de arte é um processo ainda mais profundo que o teor informativo, por isso a exposição merece um olhar demorado.

 

O percurso constrói uma narrativa brasileira, uma biografia em imagens, livros e objetos. A sala de redes indígenas ao som de Marlui Miranda é de uma delicadeza comovente. Tudo fala da nação ao mesmo tempo em que reconstrói a nós mesmos. Ali temos a consciência de identidade, de uma história da arte nacional fundada a partir de múltiplas bases, como em toda terra colonizada.

 

Há muitas camadas a perceber no ato de andar em uma exposição. Uma das coisas mais marcantes é a coletividade invisível em cada tela. Por mais solitário que tenha sido o trabalho dos artistas, estavam todos acompanhados dos homens e mulheres do seu tempo. Chegaram até os nossos dias carregados por outras tantas pessoas que enxergaram o valor histórico, artístico e documental de cada peça a ponto de estarem, hoje, em local de privilégio.

 

Muitos outros artistas, igualmente talentosos e com obras de valor, ficaram pelo caminho. O percurso da arte também tem das suas grandes injustiças. Os que estão ali diante de nós venceram as inúmeras barreiras impostas a uma atividade ainda tão incompreendida, que transmuta a realidade e os sentimentos em objetos carregados de múltiplos significados.

 

Os passos do observador levam ao encontro com Portinari, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Vik Muniz, Lygia Clark, Raimundo Cela, Vicente Leite, Estrigas, dentre tantas maravilhas que esses artistas nos deixaram e que fazem a vida valer um bocado mais a pena. O olho acompanha as mudanças estéticas, os reflexos do contexto histórico de cada trabalho.

 

Uma exposição com essa envergadura merece mais de uma visita. Em silêncio, solitária, em dupla, guiada. O catálogo - que infelizmente não consegui descobrir se já existe - seria um documento indispensável para auxiliar na formação de todos nós, crianças e adultos, rumo a uma consciência real da história do nosso Brasil e de valorização dos nossos artistas, da arte e suas regras.

 

É louvável que a Fundação Edson Queiroz inclua em suas ações a democratização da cultura com uma exposição de alto nível e valor, gratuita, aberta ao público e com um longo calendário de visitas. Eu mesma já fui duas vezes. Gostaria de ir mais. As imagens são um tipo de elixir que potencializa a escrita. Cada quadro, escultura, música, cada livro raro ali presente tem muito a dizer para quem quer escutar. Nesse momento em que o Brasil precisa tanto acertar as velas para um novo rumo, vale a pena repensar a narrativa que nos constrói como pátria.

 

Foto do Socorro Acioli

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