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A última pergunta de José Saramago
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

A última pergunta de José Saramago


Antes de morrer, Saramago deixou partes de um romance escrito. Ler esse livro é difícil, um encontro avassalador com a certeza da finitude. Ao mesmo tempo, o livro nos diz que ainda estamos aqui e precisamos seguir. Precisamos, sobretudo, continuar a fazer perguntas e indagar sobre tudo o que está errado.

 

Além de alguns capítulos já revisados pelo autor, ficou registrado o processo criativo em um diário, onde dividia com ele mesmo as angústias e decisões. Um dos pontos de dúvida foi sobre o título. Ao final, ele decidiu por Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas, mas fez alguns estudos antes da definição. O período de escrita coincidiu com as polêmicas depois do lançamento de Caim e também com a piora na sua condição de saúde.

 

O último romance de Saramago é sobre um homem que trabalha em uma fábrica de armas. Vive sozinho, mas ainda tem contato com a ex-esposa, uma pacifista que separou-se dele por não concordar com sua apatia diante da cruel realidade do seu ofício. Uma fábrica de armas só existe porque existem as guerras e seu constante estado de eminência. A esposa exige dele uma postura crítica, uma reação. Ele não tem coragem de fazer o que ela gostaria - largar tudo, declarar discordância - mas de alguma forma reage no ritmo que sua covardia permite.

 

Ele descobre no passado da história da fábrica um episódio de boicote à guerra, quando funcionários montaram bombas que não denotavam, não serviriam ao fim de matar e destruir, não cumpririam o destino de instrumento de ódio para o qual foram inventadas.

 

A obra romanesca de José Saramago compõe um conjunto de perguntas sobre a condição humana. De acordo com o conceito do Desejo de Escrever, desenvolvido por Roland Barthes no seu livro A preparação do Romance, Vol. II, é possível partir da ideia de que cada romance procede de uma questão. E cada questão desencadeia o Desejo Barthesiano inicial. O desejo de escrever anda na moda, todo mundo tem um livro na cabeça. Poucos, como Saramago, criam sobre o alicerce da dúvida e do espanto.

 

Segundo Fernando Gómez Aguilera, "Saramago estimava que a literatura é o que faz inevitavelmente pensar. Concebeu o romance como um exercício de ação intelectual, um método para programar cenários verbais de pensamento e, por conseguinte, um veículo para refletir (...) Sua obra se ergue como um monumental marco narrativo empenhado em meditar sobre o mal e o erro contemporâneos, atento aos desvios do ser humano".

 

Por meio disso, cada obra pode deixar, ao final da leitura, um sem número de perguntas que alarga o Horizonte de Expectativa do leitor, conceito de Hans Robert Jauss, na construção de uma Estética da Recepção.

 

Costumo pensar nas perguntas possíveis de cada romance de Saramago, em uma perspectiva de trabalho de leitura-ação, que lê e constrói.

 

O livro das perguntas saramaguiano termina no seu romance inacabado Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas", onde se encontra a maior dúvida: Que caminho tomaria essa estória? Qual teria sido a última pergunta de José Saramago? Sendo ele um criador de uma nova pontuação literária, essa comunicação olha atentamente para seus pontos de interrogação, os que foram escritos e os que precisamos adivinhar.

 

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