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Alma Brasileira
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Alma Brasileira


A fé é algo que não me falta. Ai de mim se faltasse. Sou uma legítima alma brasileira e minha fé abraça o que trago de herança, o que trazemos todos nós. Acredito em Deus, nas Deusas, nos santos, nas pessoas, nos vivos e mortos. Confio nas velas acesas, em cada conta de terço rezada, nas novenas, procissões e nas missas.

Sinto amor pelos ex-votos, as provas dos milagres. Cabeças, pernas, pés, seios, vestidos de noiva, barrigas, tudo está ali porque alguém acreditou e conseguiu. Nunca entendi o percurso da oração, sempre me perguntei se a palavra rezada vira fumaça, luz ou outra coisa invisível que não é mesmo para ser entendida.

Estou certa de que o pedido sincero por algo encontra um interlocutor invisível que faz o bem acontecer. Sinto vontade de dobrar os joelhos quando vejo os penitentes arrastando o corpo para pedir saúde ao santo. Se é preciso tanto sacrifício, certamente nada mais lhe resta de esperança. É aí que falhamos como nação. A fé do povo brasileiro me comove porque tenta substituir a falta de garantia dos direitos mínimos de qualquer ser humano. Nisso o Brasil falha miseravelmente.
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Mas antes disso tudo, pelo menos vinte mil anos antes de sermos a Vera Cruz, havia em nosso solo uma outra forma de fé, que também faz parte de mim. Admiro os índios, os encantados dos Tremembés, a força mística da Chapada do Araripe e as crenças dos Cariris. Do pouco que sei sobre os povos indígenas, agradeço a Alemberg Quindins e Rosiane Limaverde, que me apresentaram o universo sagrado dos índios Cariri.

Somos hoje o resultado de um país que viveu mais de trezentos anos de escravidão. Homens, mulheres e crianças saíram de seu continente para o nosso. E eles ainda estão aqui. Por isso louvo nossa herança africana, mítica e mística. Peço licença a Iemanjá para entrar no mar. Falo com Oxóssi quando preciso de sua flecha para ser firme em alguma luta difícil. Respeito os orixás das matas, dos rios e cachoeiras. Respeito o povo de fé que veste branco e canta.

Respeito toda e qualquer pessoa que faz o bem amparada na fé em qualquer religião. E respeito também os ateus. Ter fé ou não é um direito, uma escolha, como tudo na vida. Conheço ateus imensamente generosos, empáticos, solidários, caridosos e capazes de se doar – o que anda tão raro. Não cabe mais esse dedo apontado na cara de ninguém. Precisamos mesmo é ajudarmos uns aos outros.

O Brasil atravessa mais uma grande crise política e social. Poucos arriscam dizer o que virá. Sem fé, eu não suportaria viver dias de tanta desesperança, violência e a grande falta de ter alguém no comando do barco em quem seja possível acreditar. Hoje é meu aniversário, dia de celebrar a vida. Se cheguei até aqui, quem me trouxe foi a fé. Que ela nunca me falte. E que todas essas forças nas quais acredito tomem conta do nosso Brasil. A ilusão de que Deus é brasileiro nunca foi tão necessária.
Foto do Socorro Acioli

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