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O sonho segundo Agualusa
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

O sonho segundo Agualusa


“Você sabe que uma pessoa passa, em média, ao longo da vida, seis anos sonhando? Tem de haver algum sentido nisso”. É a partir dessa ideia governante, dessa inquietação sobre a função, os motivos e as consequências dos sonhos, que se fundamenta o novo romance de José Eduardo Agualusa. O título antecipa o tema: A sociedade dos sonhadores involuntários, lançado no Brasil durante a Flip de 2017.


As três palavras do título são chaves que abrem as perspectivas do alcance desse texto. Sociedade, porque é assim que estamos ou deveríamos estar organizados sobre o mesmo solo. É em nome da manutenção dessa garantia, uma vida justa em sociedade, que um grupo de personagens luta e atua. Sonhadores, porque estamos todos involuntariamente na mesma condição. Presos ou livres, ricos ou pobre, velhos ou jovens, homens e mulheres sonham todas as noites. Ou quase todas, mesmo que não lembrem de nada ao despertar.


Alguns lembram. Alguns invadem os sonhos dos outros, constroem máquinas de filmar sonhos ou tem a perfeita capacidade de fotografá-los. Outros antecipam o futuro sonhando, ensaiam o porvir. A teoria sobre a habilidade cerebral do sonhar Agualusa aprendeu com o neurocientista Sidarta Ribeiro, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte cujos estudos levam a compreensão dos sonhos a outro patamar.


Esse é um livro político, um testemunho sobre as marcas e lembranças da guerra, além de uma grande homenagem e discussão sobre o papel histórico dos revus – Luaty Beirão e outros dezesseis presos políticos em Angola, sua greve de fome, o olhar do mundo para eles. José Eduardo Agualusa afirma: “continuo a acreditar que o sonho é revolucionário” e essa frase amplia-se e reverbera nos caminhos narrativos que o livro tomará até o final.

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Há um momento, por volta da página setenta, em que o livro sacode o leitor com uma lista de verdades sobre a atividade noturna do inconsciente: “Mendeleiev criou a tabela periódica de elementos químicos depois de um sonho. August Kekulé sonhou com uma cobra que mordia o próprio rabo e quando acordou percebeu que descobrira a estrutura da molécula do benzeno. Também dizem que Beethoven e Wagner ouviam, em sonhos, fragmentos das composições em que estavam a trabalhar. Por vezes sonhavam peças inteiras. Paul McCartney sonhou com Yesterday. Acordou com a música na cabeça, sentou-se ao piano e tocou-a de uma ponta à outra. É nesse ponto que o livro mais se fortalece e nos dá a perspectiva do mistério desse tema.


Do que mais gosto em Agualusa é a maneira como ele trata o insólito, com a naturalidade de quem acredita em cada palavra posta ali e com respeito pela nossa necessidade de absurdo. Gosto do Agualusa que cria personagens que alteram o equilíbrio das coisas por necessidade. Que invadem o passado e o modificam, adivinham o futuro, conseguem ler onde não há nada, percebem o invisível.


Quando se acompanha a obra de um autor, um novo livro chega sempre tomado por um misto de emoções. A curiosidade, o horizonte de expectativas, que Jauss descreve como aquilo que esperamos a partir do que já sabemos; e a pressa de ler logo. Sempre espero reencontrar o arrebatamento que me causou a leitura do Vendedor de Passados. Neste livro dos sonhadores, fui mais arrebatada ainda.


Foto do Socorro Acioli

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