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Livros e Laços
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Livros e Laços


Uma história bem contada, personagens contundentes, linguagem sublime, vocabulário de mestre, final exemplar. Laços, do escritor italiano Domenico Starnone, é tudo isso. Não faltam nem sobram palavras. É um romance magro, econômico, e só um autor maduro e dono da própria pena consegue tanto em tão pouco espaço.


O incidente incitante da história é quando Aldo e Vanda, casados há cinquenta anos, voltam de uma viagem na praia e encontram o apartamento completamente revirado, sem sinais de roubo. Há um dicionário de latim aberto, uma palavra circulada: o nome do gato, que desapareceu. As coisas de valor estão no mesmo lugar, mas as janelas foram escancaradas por alguém.


No revirar das coisas, memórias do passado são encontradas, e as feridas dessa família estão expostas como nunca. Histórias de famílias despedaçadas, sofrimentos de casais e filhos, nada disso é novidade na literatura, no cinema, nas narrativas. O que faz de Laços um livro exemplar é a maneira como isso tudo foi revelado ao leitor, aos poucos.


Primeiro, a escolha pela economia. Poucas páginas, poucos personagens, poucas cenas mesmo se tratando de um intervalo de tempo longo. O que precisamos saber sobre tudo está lá. O principal, o centro da dor.


Depois, o vocabulário. A escolha das palavras e dos símbolos. O prefácio da escritora Jhumpa Lahiri, que a editora brasileira Todavia acertou em manter, ilumina imensamente a compreensão desse texto. É daqueles que vale a pena ler antes de o livro começar. Ela aponta para o léxico, para os verbos, os objetos; tudo faz parte de um plano perfeito que atinge o patamar de uma literatura sublime.

 

Estamos todos querendo ler tudo e fazendo malabarismos e pactos com essas horas fugidias. Um ano novo começa e minha dica para ler mais é uma só: planejar.

 

Starnone está no centro de uma polêmica que tem sacudido o mercado editorial nos últimos anos: a febre Ferrante. Desde que a tetralogia napolitana de Elena Ferrante virou um sucesso internacional, a curiosidade sobre o nome real por trás do pseudônimo tornou-se uma obsessão às vezes divertida e um pouco perigosa.


De todas as especulações, a que chega mais perto aponta para o casal Anita Raja e Domenico Starnone. A investigação envolve recibos de valores altos, softwares de comparação linguística, cotejamento de textos e entrevistas e até quebra de sigilo de imposto de renda. Essa polêmica é boa para o mercado editorial em tempos de crise, mas não interessa mais do que o assombro desse texto magistral.


É alentador saber que a experiência de ler um livro magro pode ser tão forte. Estamos todos querendo ler tudo e fazendo malabarismos e pactos com essas horas fugidias. Um ano novo começa e minha dica para ler mais é uma só: planejar. Anotar metas gerais, metas mensais. Ler mais clássicos, ou mais contemporâneos, ou mais poesia, ou mais autores nacionais. Ler mais livros escritos por mulheres é uma boa forma de começar a mudar o olhar para a literatura.


Leitores, livros e autores: estamos atados por laços invisíveis, uns aos outros. Uns apertam enquanto outros são rompidos pelo tempo – ou pela falta dele. O fato é que poucas coisas são tão engrandecedoras quanto ler um bom livro. Deixo aqui a sugestão do romance de Domenico Starnone para o ano começar bem. Que seja o primeiro de muitas leituras neste 2018 que começa.

 

Por Socorro Acioli

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