Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro
Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro
Quando eu era vendedora de livraria, acabei aperfeiçoando uma especialidade secundária no meu trabalho: escrever dedicatórias. As pessoas compravam os livros e pediam, alguns minutos antes que eu fizesse a embalagem para presente, um tempo para pensar no que iriam anotar ali. Sem querer, eu sugeria alguma coisa, e acabou virando hábito ajudar nesse capítulo de tantas histórias de amor.
Era divertido ver as pessoas olhando para o livro, com a caneta nas mãos, pensando no que escrever. Quanto mais mordiscava o lábio, mais importante era o presente. Em pouco tempo, eu já percebia que, muitas vezes, o livro comprado era o objeto central de um flerte ou de um namoro novo, quando é imperativo impressionar.
[QUOTE1]Eu achava graça da categoria do presente-indireta, geralmente o público da autoajuda. Esses contavam com a facilidade de títulos autoexplicativos, que dispensavam apresentações mais longas. Coisas no estilo “Pare de beijar sapos e encontre seu príncipe” ou “Líder sim, carrasco nunca” ou ainda “Como não estragar o casamento dos seus filhos” já mandam o recado logo na capa.
Outros clientes iam mais fundo na mensagem. A intenção, em alguns casos, não era exatamente agradar, mas transmitir uma impressão de cultura refinada. Era bem comum eu terminar a dedicatória mencionando a intimidade do cliente com o erudito em questão, apontando que foi leitura de adolescência ou elegendo o escritor como o seu favorito. Ideias minhas, claro.
Mas houve uma vez em que o destino me deu um presente. Depois de examinar a livraria inteira umas dez vezes, percebi que uma cliente esperava uma oportunidade de conversar comigo de forma reservada. E eu estava certa, ela precisava de minha ajuda.
Seu plano era comprar um livro romântico e simular uma dedicatória misteriosa, com uma assinatura ilegível e uma promessa de paixão. Era maravilhoso o suficiente, mas ela pediu mais: queria que eu escrevesse, fingindo a caligrafia nervosa de um amante para chamar a atenção do marido relapso e reacender sua chama. Aceitei o desafio e caprichei na missão.
Sugeri poemas de amor da Florbela Espanca, aquele coração sangrando de sofrimento e devoção ao ser amado. A dedicatória falava disso, da paixão que toma conta de tudo. O marido até notou o exemplar na cabeceira, mas não abriu para ver.
Fracassamos.
Essa profissão de Criador de Dedicatórias de Livros para Presente deveria mesmo existir, com direito a sindicato e reuniões da categoria. Livrarias são cenários de histórias de amor, por natureza, locais perfeitos para encontros e casamentos. Às vezes tudo começa por uma dedicatória inspirada no livro certo, na hora certa.
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