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Fortaleza 2018
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Fortaleza 2018


Semana passada, acompanhei um fotografo francês durante uma missão em Fortaleza. Ele queria conhecer a cidade além da Beira Mar, atravessar a barreira ofuscante de edifícios e descobrir o passado, raiz e história deste pedaço de mundo. A sua missão era buscar a identidade de Fortaleza, que eu também busco, todos os dias. O ponto exato onde sinto o centro de nossa força é o Mucuripe, perto das jangadas, da areia e do mar. Foi por lá que começamos a expedição.


Contei da teoria do historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, com a qual eu gosto muito de concordar: para ele o Brasil foi descoberto na Ponta do Mucuripe, em 26 de janeiro de 1500, pela frota de Vincente Pinzón, que batizou a enseada de Rostro Hermoso. Eu ia para o Mucuripe na infância ver os pescadores chegando, quando não havia quase nada construído.


Confortavelmente sentados diante do mar infinito e do colorido das jangadas, ele me perguntou se temos um centro histórico, alguma área tombada e preservada, um bairro inteiro como guardião de um tempo. Não temos.


Para quem vem de um continente onde o passado é respeitado e os prédios históricos recebem o tratamento que merecem, deve ser muito estranho ouvir que muitas construções antigas da cidade foram e continuam sendo demolidas. Não temos um bairro inteiro, mas testemunhas de outros séculos que resistem pela cidade. Com a ajuda de muitos amigos e de minha própria memória afetiva, mapeei os lugares que conseguiríamos visitar no pouco tempo que ele tinha para o trabalho.


Que a Fortaleza de 2018 seja mais justa com os pobres, os doentes, os moradores de rua e com suas crianças. Menos violência, mais justiça social

 

Começamos pela Praia de Iracema e suas casinhas bem cuidadas. Fomos ao lindo Estoril, à Igreja de São Pedro, projeto de Emilio Hinko, nome muito importante para história da arquitetura de Fortaleza.


De lá, partimos para a Jacarecanga e, de preservado, encontramos apenas a Escola de Artes e Ofícios, casa de Thomaz Pompeu Sobrinho. Foi um momento de ter orgulho da gestão que olhou para aquele lugar tão bonito. Seguimos para a Reitoria e foi um deleite. Além da linda casa, as árvores do lugar completam o colorido. É claro que fomos ao Theatro José de Alencar, aquele presente de todos nós. A lista contava ainda com a casa do Barão de Camocim, a casa de José de Alencar, a faculdade de Direito, a casa do português e outras resistências.


Mas de tudo que viu, meu novo amigo caiu de amores mesmo pelo Náutico Atlético Cearense, outro projeto do Emilio Hinko. Ficou encantado com os espelhos, os detalhes das portas, corrimão da escada, o piso, a vista, as colunas. Quando contei que o Náutico está correndo risco de não existir mais, ele não acreditou. É nossa única janela para o oceano naquela muralha de edifícios. É uma das poucas lembranças da história de Fortaleza que ainda resta na Beira Mar. Tive vontade de chorar quando contei que havia um projeto de construção ali, que o clube sofre com problemas financeiros e a solução que grita é, mais uma vez, a violenta destruição.


O que desejo para a Fortaleza de 2018 é que paremos de desvalorizar nossa história e de apagar o que somos. Que o Náutico Atlético Cearense permaneça exatamente onde está, do jeito que foi criado. Que a atual gestão da Secretaria de Cultura, do Governo do Estado e da Prefeitura de Fortaleza guardem essa honra no seu relicário de ações positivas. Que seja bem cuidado, honrando Emilio Hinko e a todos nós. Que o Náutico resista e abra os braços para todos. Que a Fortaleza de 2018 seja mais justa com os pobres, os doentes, os moradores de rua e com suas crianças. Menos violência, mais justiça social. Menos projetos sem rosto, mais história e memória.


Por Socorro Acioli 
Foto do Socorro Acioli

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