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O lugar melhor
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

O lugar melhor


Gênio é o artista que compreende o que paira nas cabeças do seu próprio tempo e usa isso como matéria de arte. No momento que vivemos agora, 2017, a narrativa seriada distribuída pela internet tem sido um dos principais caminhos para escritores contemporâneos que tem algo a dizer.


Um dos gênios de hoje chama-se Michael Schur, que faz aniversário no dia em que esse texto está sendo escrito. Ele é o criador da série The Good Place uma narrativa em capítulos curtos e que já segura a audiência nos primeiros minutos. Voltamos à paixão do folhetim, em uma versão sofisticada do que é a boa narrativa seriada.


A premissa dessa série é fácil de entender: e se tudo que estamos fazendo na vida, de bom e de ruim, estiver sendo computado em algum lugar a partir de um sistema de contagem infalível? E se esse número de pontos for o fator decisivo para o destino de todos nós apos a morte? E se a vida do outro lado for muito diferente de tudo que sabemos e pensamos?


The Good Place é o lugar para onde vai a minoria da população mundial que consegue atingir uma pontuação alta. Não é exatamente a visão de paraíso que a maioria das religiões apresenta, mas o ponto central não é a religião: é tudo sobre ética.


A séria começa com Eleanor Shellstrop na sala de espera de um escritório, sendo recebida por um homem alto, branco e bem vestido que explica que ela morreu e mereceu ir para o lugar bom. Não, ele não é Deus. É um funcionário do sistema.


Eleanor pergunta, afinal, qual religião estava certa sobre a vida após a morte e ele explica, com precisão, a porcentagem de acerto de cada uma – que não passa de 5%. Quem previu tudo sobre o que é morrer foi um rapaz drogado e desorientado que desenvolveu uma teoria quase sem fim sobre os destinos da alma. Esse sim, sabia das coisas.

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É tudo perfeito no Good Place. Todos convivem em harmonia, nada falta nem sobra, até a chegada de Eleanor. Ela está lá por engano. Foi uma moça egoísta, mentirosa. Tomou o lugar de outra pessoa e é a partir disso que toda a trama começa a ser construída.


Não é fácil fazer comédia. The good place consegue ser a melhor dos últimos tempos. Melhor que Friends, inclusive, que é citada várias vezes nos episódios. E muito melhor do que Lost, que não é comédia mas foi usada por Michael Schur como modelo de estrutura para a construção dos capítulos e temporadas de The Good Place.


Parece espantoso, mas a Filosofia é a Ideia Governante dessa narrativa. Há um evento no final, inclusive, inspirado em uma peça de Jean Paul Sartre, Entre quatro paredes. Foi nesse trabalho que Sartre escreveu sua famosa frase : o inferno são os outros.


Mas o que paira nas cabeças do nosso tempo e foi captado por Michael Schur? A estupefação, a superficialidade das relações, o total abandono da Ética justamente pelos que tinham obrigação de serem éticos, a incerteza, o aumento das misérias do mundo. The Good Place nos diverte enquanto nos faz pensar que o mundo é gigante e que a experiência humana tem faces infinitas. Gênio é o artista que nos faz filosofar às gargalhadas, logo nesses tempos obscuros, quando precisamos pensar muito e rir sempre que possível.


Foto do Socorro Acioli

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