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Carta a uma amiga triste
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Carta a uma amiga triste


Querida, você me perguntou como ficar livre dessa tristeza e onde poderia jogar esse sentimento ruim. Eu não sei. Talvez, por enquanto, em lugar algum. Fique com ela um pouco. Os períodos sem alegria mostram coisas que a gente não vê quando está feliz. Deve ter alguma utilidade nisso.


Viver pulando de alegria não é possível como rotina, infelizmente. Não dá pra ser. Talvez para os pássaros ou as borboletas, já que levam vidas tão curtas e livres de tormento. Para nós a coisa é diferente. É da condição humana viver os ciclos, ver nascer, ver morrer, ver a maldade aflorando nas outras pessoas, pisando nas nossas esperanças. Parece a Roda Viva do Chico Buarque, não é? Tudo esmagado sob os pés.


Parte da sua tristeza vem das dores dos outros, eu sei. Dói em você ver de fora os amores se dissolvendo, as coisas boas acabando, sobretudo os sonhos. Estou falando do Brasil, você sabe bem. Parece um pesadelo que não acaba. A gente dorme de novo e o sonho ruim continua, piora, se alastra, parece que vai criar raiz, parece que não vamos nunca sair disso.


O Frei Betto disse uma coisa que nunca esqueci: “ não internalizemos essa crise. Deixemos o pessimismo para dias melhores.” Eu concordo com ele. Não dá pra afundar quando tudo ao redor está desmoronando. O movimento deve ser exatamente o contrário. Enquanto as coisas caem, precisamos estar em pé.

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Você deve estar me perguntando como lutar em pé, se está tão triste. Eu aprendi com uma amiga que viveu uma dor muito grande: ela apenas cuidava da hora que estava ali, ao redor dela. Do dia a dia, da rotina simples, das coisas possíveis, do pouco, do outro. Afinal de contas é tudo feito de pedacinhos. Átomos, moléculas, gotas, grãos e temos um mundo. A vida toda é uma coleção de segundos. Essa carta inteira terá quinhentas palavras. Tudo construído parte a parte. A felicidade se faz assim também, nessa construção lenta e na coragem de cada hora.


Não dá pra falar de literatura em tempos ruins, você me disse. Mas como, se é agora que mais precisamos disso? Você notou que cada vez mais as pessoas precisam escrever? É por isso. Parece que é tempo de olhar tudo de novo, no meio da tristeza, para compreender o que de fato vale a pena. Quanta gente escrevendo romances, desejando contar a vida, rever tudo, deixar gravado.


Eu não sei, minha amiga, o que você pode fazer porque cada tristeza tem seu jeito e seus motivos. Eu também tenho as minhas. Mas é preciso começar de alguma forma. Talvez olhar para o espelho, dizer em voz alta que dia é hoje. Dia, mês e ano. Focar nesse dia, trabalhar por ele, ler o jornal, pensar nas eleições do ano que vem – as coisas podem melhorar depois disso. Usei quinhentas palavras para tentar te responder o que fazer com a tristeza e poderia ter usado só duas: estou contigo.


Foto do Socorro Acioli

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