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Sabedoria ao envelhecer
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Sabedoria ao envelhecer


Tenho uma aluna de quase oitenta anos de idade que acaba de realizar o sonho de escrever seu primeiro romance. Seu nome é Ana May. A caçula do grupo tem quatorze anos e esse espectro de idades variadas é uma lição preciosa sobre como lidar com o tempo que passa.


Ana May veio entregar o trabalho na minha casa, de saia jeans na altura dos joelhos, blusa estampada e chapéu. Feliz da vida. Há anos desejava escrever essa história, uma novela cheia de reviravoltas e que aprofunda o olhar para a alma humana e seus mistérios.


Entregou seu livro, posou sorridente para a foto da vitória e partiu apressada. Minha filha adolescente chegou em casa na mesma hora e olhou para Ana May com um sorriso. Já se conheciam de outros eventos. Depois comentou comigo: quero ser uma velhinha igual a ela.


Ana May riu quando soube do comentário, vaidosa. Foi um grande elogio e ela sabe disso. Passamos quinze dias na França esse ano e quando vi as fotos que minha filha fez sozinha, quase em segredo, fiquei surpresa com a quantidade de senhoras idosas. Animadas, de calça cargo, com carrinho de feira, tomando café, viajando, aproveitando o sol. Ela comentou a viagem toda sobre isso, sobre como achava lindo aquelas senhorinhas curtindo a vida e disse muitas vezes: quero ser assim quando chegar minha vez.


Nem todo mundo sabe envelhecer bem, por isso perguntei logo para a Ana May qual é o segredo. No caso dela eu até já tenho algumas pistas. Entrar em um curso de Escrita Criativa, assumir o desafio de escrever um romance já é um feito bonito de ser ver. Renova os sonhos. Aliás, ela terminou um e já tem outro em mente. A velhice não parece fim de linha para ela de jeito nenhum, muito pelo contrário. A sensação é de que ela está ainda mais animada para fazer o que a vida não permitiu nos tempos de muitas obrigações.

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Um dia estávamos todos nós, eu e os alunos, tomando uma cerveja para comemorar uma etapa concluída do curso. E quem estava na cabeceira da enorme e barulhenta mesa com sua cervejinha na mão? Ana May, de vestido azul, a mais linda de todas. Somos todos loucos por ela, a começar por mim.


Envelhecer feliz é quase um segredo, mas a Ana May me deu alguns conselhos. Primeiro, ela não dispensa a ginástica três vezes por semana. Segundo, mas tão importante quanto o exercício, é cuidar dos sentimentos e das emoções fazendo terapia para compreender os processos da vida, que é difícil para todos nós. Traumas, ressentimentos e mágoas do passado adoecem qualquer um. É preciso curar a alma.


O terceiro segredo é desafiar-se sempre, ler muito, criar. Ana May vive lendo e indo ao cinema. Há um quarto segredo que ela não disse, mas eu percebo: o bom humor. Mesmo com seu jeito tímido, ela faz suas graças, sabe rir de bobagens e principalmente, rir de si mesma.


A vida para ela não parece um peso, mas um tesouro. Chegar aos oitenta serelepe assim é uma coisa tão linda que ilumina. Concordo com minha filha adolescente: quando chegar a minha vez, eu quero ser como a Ana May e a Margaret Atwood: cervejinha na mão, cabelo de algodão, sorriso no rosto, vestido azul e sempre escrevendo um romance novo.


Foto do Socorro Acioli

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