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A Moça de Boa Família
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

A Moça de Boa Família


Se você algum dia tiver a sorte de ser apresentado à Moça de Boa Família, notará que ela sempre diz o nome e sobrenome logo no início da conversa. Em cinco minutos dirá quem era seu pai, sua mãe, quem são seus tios, porque ela quer que você saiba exatamente com quem está falando.


A Moça de Boa Família não é bonita, mas sabe se vestir e usa Lâncome. Não é inteligente, mas o seu pai era e isso é o que importa. Quem tem um bom sobrenome na província não precisa de mais nada, é tolice perder tempo. Não fez nada de relevante, já basta a contribuição que o pai deixou na cidade. Não tem ideias próprias, não gosta de ler, mas o seu pai tinha uma bela biblioteca e se algum dia ela precisar de um livro, sabe onde encontrar. Mesmo assim, ela tem livros em casa, que fique bem claro. A arquiteta disse que é fino ter alguns exemplares de capa dura na mesinha da sala e ela concordou. São livros de arte. Arte é chique. E a Moça de Boa Família sabe ser chique.


Além do trabalho, ainda tem a casa, o Marido de Boa Família, três filhos, quatro empregadas para administrar. Isso sem falar nos eventos sociais. Quase todos os dias a Moça tem convite para atender. Aniversário das amigas, das mães das amigas, dos filhos das amigas. Todo mundo de Boa Família. Sempre uma novidade, uma plástica, uma nova grife, um novo designer de joias, tudo de bom! Você já deve ter visto essa turminha de Bem Nascidas nos jornais. Os colunistas adoram a Moça de Boa Família e não perdem uma festa onde ela esteja. Tem gente que diz que ela paga para aparecer, mas é inveja. Pura inveja. Ela aparece porque tem carisma.

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Com tudo isso você pode achar que a Moça de Boa Família é feliz e não tem problemas, mas é engano seu. No momento ela está enfrentando uma barra. Seu irmão mais novo cismou de fazer universidade pública e aconteceu o pior: está apaixonado por uma Moça Sem Sobrenome. É uma mulher jovem, magra, bonita, inteligente, aluna de Mestrado, bolsista da Capes - como se isso tudo pudesse compensar a falta de um sobrenome. Não sabe se vestir, gasta todo o dinheiro com livros – alguns até usados. Não sabe sequer o que é um óculos Tom Ford. Constrangedor.


Como se fosse pouco o seu sofrimento, a Moça de Boa Família ainda precisa suportar os absurdos de suas empregadas. A última, vejam só, pediu para sair mais cedo justamente no dia em que as Amigas Bem Nascidas iriam tomar um chá na casa da Moça. A empregada disse que o filho estava no hospital e precisava ficar com ele. Que absurdo! Esse Povo só fica doente nas piores horas, a Moça vive dizendo isso. Ela não tem paciência com Esse Povo. O que a Moça mais detesta neles é que nunca aprendem com quem estão falando.


Ás vezes a mãe da Moça pede que ela tenha um pouco mais de caridade. Isso é injusto. Até parece que a mãe não sabe que todos os domingos a Moça de Boa Família vai a Igreja, reza um Pai Nosso pela paz no mundo e deixa cinco reais para as obras de caridade da paróquia. Cinco reais, todo domingo. Quer mais caridade do que isso?



Foto do Socorro Acioli

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