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É importante ter saudade
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

É importante ter saudade


Pode ser saudosismo, melancolia, apego ao passado, mas faço parte do grupo de pessoas que sofre imensamente ao testemunhar os pedaços da memória de Fortaleza caindo por terra. É tema recorrente da minha literatura e continuará sendo enquanto for preciso falar disso.


O fim do bangalô azul da Padre Valdevino, por exemplo, foi uma dor profunda. Tão lindo, com potencial de ser tanta coisa, com significado, história, memória... assassinado como se fosse apenas um monte de tijolos.


Talvez as pessoas que tem esse desejo mórbido de destruir só enxerguem mesmo o potencial do terreno e o quanto poderão lucrar naquele chão histórico, levantando sobre ele mais um prédio sem nenhuma graça. Procurem outro chão, senhores.


Ouvi falar que o Náutico corre risco de vida, assim como o San Pedro e tantas outros poucos testemunhos da história de Fortaleza que ainda sobrevivem. Dá pena ver as fotos antigas da Jacarecanga. Não há mais quase nada daquele tempo de belas casas para abrigar um porvir.


Diante dessa lástima imensa, foi um alivio conhecer o livro Tombamento: afetos construídos, resultado da pesquisa do Mestrado em Direito de Manoela Queiroz Bacelar.


Do prefácio de Virgílio Maia, peguei emprestado o título para essa crônica: é importante ter saudade. Ele também pegou emprestado de Mário Quintana uma verdade sobre as horas que nos levam pela vida. “O tempo não para! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo”.


O trabalho de Manoela aprofunda as questões jurídicas que envolvem os processos de tombamento, a dicotomia entre o público e o privado, os detalhes tocantes ao dever (ou não) de indenizar, o dano aos imóveis tombados. Temas de imensa importância para quem conhece e precisa lidar com as instâncias legais que garantem a salvação dos nossos bens materiais e imateriais que a lei preserva.


Ao ter o livro em mãos, meus olhos seguiram direto para as belíssimas fotografias do Celso Oliveira. O Espelho d’água da Lagoa de Messejana, da Lagoa da Parangaba, o Riacho Papicu e suas margens, a Capela de Santa Teresinha, Teatro São José, a Escola Jesus Maria e José, Farmácia Osvaldo Cruz, Igreja de São Pedro dos Pescadores, Paróquia do Senhor do Bom Jesus dos Aflitos, a Casa de Rachel de Queiroz, o Náutico Atlético, o Ideal Clube, o Estoril.


Rever esses lugares, um por um, saber que as leis existem e sobretudo ter a certeza de que pesquisadores como Manoela estão cuidando desse tema, nos faz recobrar as esperanças de salvar o pouco que nos resta.


A arte também pode ajudar a proteger essas raras testemunhas. Nas cursos de Escrita Criativa que ministro, costumo pedir aos escritores em formação que preparem projetos sobre os cantos esquecidos de Fortaleza. Aqui amplio o pedido para os artistas que ainda não conheço, roteiristas, cineastas, dramaturgos, artistas visuais, músicos, alunos dos cursos de cinema e vídeo: criemos a partir do que somos, do que nos construiu. A arte amplia a significação de cada lugar. Vamos ouvir a potência das histórias caladas nos lugares que guardam o passado de Fortaleza. Criemos, antes que seja tarde demais.


Foto do Socorro Acioli

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