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Um incômodo legado para qualquer governante

2018-03-12 01:30:00
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Pela segunda vez no ano, sou acordado em um sábado com a notícia de mais uma chacina em Fortaleza. A diferença desta vez é que pela primeira vez recebo mensagens perguntando se estou bem ou se estava presente ao local dos disparos. No Facebook, um informe dava conta de que o usuário daquele perfil estava “seguro” em meio a tantas notificações sobre o terror que se instalou na praça da Gentilândia. A matança que se restringia apenas aos territórios de exceção, espaços em que matar e morrer não causam repercussão social ou governamental, chegou de forma assustadora à classe média fortalezense.

Não se trata, contudo, de um fenômeno abrupto que tenha surgido do dia para a noite. Os homicídios no Ceará são fruto de muitos anos de descaso e de medidas que sempre visaram o alvo errado. Em 2011, quando escrevi uma dissertação sobre os assassinatos de adolescentes no Grande Jangurussu, ficou evidente que a morte de tantos meninos não representava uma questão social, uma pauta urgente para a sociedade. Eram vidas vividas de forma muito breve, sem qualquer direito ao ingresso no mundo adulto.

De lá para cá, quase nada foi feito, à exceção da criação do Comitê pela Prevenção de Homicídios na Adolescência. O órgão atua de modo consultivo, o que significa dizer que não tem o poder de executar as recomendações que propõe, dependendo fortemente do interesse da sociedade e dos recursos dos governos estadual e municipais. É sabido, no entanto, que os políticos se movem a partir da pressão popular ou daquilo que no cálculo da política leva à conquista de mais votos. As centenas de mortes na periferia não possuem nenhum desses dois fatores. Situação semelhante passa o sistema penal: quem se importa com o destino de nossa população carcerária? A quem interessa defender melhores condições de vida para os “bandidos”? Não à toa, os conflitos armados envolvendo jovens/adolescentes e a superlotação prisional apresentam-se como duas das principais causas para o crescimento exponencial da violência no Estado.

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É preciso compreender que o problema é atravessado por um componente de desigualdade racial e social. Sem levar isso em consideração, todos os esforços estarão fadados a cair em uma mesma vala comum, desde que o programa Ronda do Quarteirão foi implementado. As ações governamentais mais efetivas pautaram-se por demandas de uma classe média alta, foco maior das preocupações estatais. A morte do adolescente Bruce Cristian, na avenida Desembargador Moreira, é um exemplo disso. Trata-se de um caso que passaria despercebido se ocorresse nas periferias, mas que ganhou vulto por ter ocorrido no coração de uma das áreas mais ricas da Cidade. O movimento Fortaleza Apavorada teve direito a páginas pagas nos jornais pelo Governo do Estado como resposta aos seus questionamentos que em nada dialogavam com os anseios dos mais pobres. Por fim, a onda de sequestros que atingiu o Ceará teve como resultado direto a criação de um núcleo específico de combate tão logo a situação
saiu do limite.

Pode-se argumentar que os três exemplos listados acima ocorreram no governo anterior, mas a lógica da gestão Camilo Santana quando se trata de segurança pública é a mesma, com a diferença de que o problema se agravou. Tivemos quatro matanças de grande porte nos três primeiros meses deste ano além dos duplos e triplos homicídios que acontecem quase semanalmente sem contar com a mesma atenção. O ano de 2018 será certamente conhecido como o das chacinas no Ceará. Trata-se de um incômodo legado para
qualquer governante.

P.S. Esta coluna é dedicada aos familiares das vítimas da chacina do Benfica, em especial às mães e pais que terão a árdua tarefa de dar continuidade às suas vidas sob o peso de tal perda. Dedico este texto também ao jornalista Landry Pedrosa, leitura obrigatória para toda uma geração que acompanhava as notícias policiais no O POVO. Repórter de uma época em que a violência em Fortaleza era menos complexa e cruel do que agora. Cabe a nós agora a tarefa de relatar e denunciar essa realidade. 

 

 

 

RICARDO MOURA 

 

RICARDOMOURA@OPOVO.COM.BR
 

 

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