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O futuro sob risco da geração "nem-nem-nem"

2017-10-23 01:30:00

Os estudiosos da área de trabalho e emprego cunharam uma expressão para designar a crescente parcela da população que nem estuda e nem trabalha: a “geração nem-nem”. São jovens que se veem nessa situação por causa da crise econômica e pela dificuldade de inserção na vida profissional, rompendo com o ciclo existente que une formação escolar à carreira profissional. Pesquisa realizada por Erle Mesquita, sociólogo e analista do mercado de trabalho do Sine/IDT, revela que o problema é ainda mais sério: muitas dessas pessoas já não creem mais no emprego formal como uma perspectiva viável, abrindo mão até mesmo de procurar por vagas em postos de trabalho. Os resultados desse estudo serão apresentados no seminário “As transformações no mundo do trabalho e o sistema público de emprego como instrumento de inclusão social” a ser realizado nos dias 8 e 9 de novembro, mas a coluna antecipa alguns desses dados. Vamos a eles:


A quantidade de jovens que não estuda, nem trabalha e nem busca emprego só cresce em Fortaleza. Trata-se da geração “nem-nem-nem”, na expressão usada por Erle Mesquita. O contingente de pessoas nessas condições em Fortaleza é estimado em cerca de 176 mil ou 16,9% da população na faixa etária de 15 a 29 anos. A geração “nem-nem-nem” é formada, de modo geral, por jovens e adolescentes pobres, com formação escolar precária, baixa qualificação e que está desalentada com as condições atuais de inserção no mercado de trabalho. Desse total, 25% não concluíram sequer o ensino fundamental e 70% encontram-se na linha da pobreza, ou seja, com até meio salário mínimo por pessoa. Na comparação com outras quatro regiões metropolitanas, Fortaleza assume um protagonismo desolador: Salvador vem em segundo lugar com 12,2%, Porto Alegre tem 11,9% da população jovem nessa situação, enquanto os percentuais de São Paulo e Distrito Federal são 10% e 9,7%, respectivamente.


De acordo com Erle Mesquita, muitos desses jovens e adolescentes chegaram a ter uma ocupação em algum momento, mas as “expectativas com o mundo do trabalho acabaram sendo frustradas”. Embora não se possa fazer uma correlação direta entre a geração “nem-nem-nem” e a criminalidade, não é preciso muita imaginação para perceber o quanto esse segmento social está exposto e vulnerável ao canto da sereia da sensação de poder e do “ganho fácil” prometidos pelo ingresso no mundo do crime. Conforme o sociólogo, as reformas sociais e econômicas que vêm sendo promovidas pelo Governo Temer devem agravar ainda mais esse problema: “Embora parte da situação esteja ligada a situações meramente conjunturais, como os elevados índices de desemprego, elas vêm acompanhadas de reformas estruturais que afetam sobretudo os mais jovens. A reforma trabalhista torna cada vez mais incerta, parciais e intermitentes as oportunidades de trabalho. Há ainda o limite do gasto público pelos próximos vinte anos, que afeta duramente as políticas educacionais”, explica.


Saber que Fortaleza possui um universo de mais de 100 mil jovens e adolescentes vivendo em condições precárias e com baixa perspectiva de inserção no mercado de trabalho altera radicalmente a concepção sobre violência e criminalidade. Enfatizar somente o combate ao “criminoso” sem levar em consideração esse aspecto conjuntural é simplesmente “enxugar gelo”, como se costuma dizer no jargão policial.


Propor ações de inclusão social e econômica para essa população é um desafio urgente. Nesse sentido, a escola é um espaço privilegiado para fazer com que essas políticas cheguem a quem realmente precisa. É preciso, contudo, dotar as unidades escolares das condições necessárias a fim de que possam prestar um atendimento que vá além da educação formal e que conte com profissionais de diversas áreas, como assistentes sociais e psicólogos. O que vemos, de forma geral, é o fantasma recorrente da evasão e do abandono escolar rondando as periferias, fatores já comprovados de estímulo à violência e à criminalidade. Há um elemento imaterial em jogo em toda essa discussão e que está intimamente ligado à área da segurança pública: a capacidade de fazer com que os nossos jovens sonhem com uma vida melhor. Onde há sonhos há esperança. E onde há esperança a vida sempre terá a última palavra.

 

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