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O país de nariz torcido
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

O país de nariz torcido

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Não admitir, recusar, atirar, arremessar, lançar fora, lançar de si, opor-se a, repelir, desaprovar. São muitos os sinônimos da palavra rejeitar, talvez o verbo transitivo direto mais pronunciado e praticado neste país nos últimos tempos. Nas reuniões familiares, falamos sobre o clima, a roupa preferida da vovó, a lista de aniversários, tudo menos tratar do que realmente interessa. Nos bares, discorre-se sobre culinária, ovnis e até sobre futebol e religião (há, quem diria, uma certa pacificação quanto à abordagem destes assuntos, por incrível que pareça), exceto sobre o instante político nacional. Pisa-se em ovos, toma-se demasiada cautela, fala-se baixo e com a mão na boca. Consensual, a regra é "tudo pela paz", mesmo que falsa. Varrer o caráter para baixo do grosso tapete.

 

Apesar de todo esse jogo de aparências, às vezes o cão sai da garrafa. E quando adentra o gramado incandescente, incendiado pela baixa cultura política e o desconhecimento abissal do passado, para o capiroto do pescoço para baixo é canela. Sem ter real consciência das causas que provocam o seu mal estar, boa parte do povo brasileiro, mais do que cansado de ser roubado e agredido todos os dias das mais variadas maneiras, decidiu dar uma banana para a política, entendendo que, negando-a e apoiando o lado negro da força, assim resolverá todos os seus problemas. Como diz o analfabeto metido a literato, ledo ivo engano. Rejeitar a política é também um ato político e que costuma dar péssimos resultados a curto prazo. É o que nos ensina a História.

 

Analisando as pesquisas eleitorais, vemos que a rejeição aos candidatos é bem maior que o apoio que obtêm para as suas proposituras. Claro que a visão do brasileiro como um ser cordial, imagem cunhada por Sérgio Buarque de Hollanda, sempre foi algo entre o risível e o utópico. Contudo, esse ringue de caratê de filme B chinês em que o Brasil se converteu está difícil de suportar. Haja diplomacia, fair-play e sapo goela abaixo para agüentar certas afirmações. Parece que perdemos o sentido do outro, o respeito à alteridade. 

 

Muitos vêem nas soluções truculentas, odientas e sanguinárias o caminho para a redenção nacional, esquecendo-se que o buraco, infelizmente, é mais embaixo. Construir nossa frágil democracia custou muito tempo e várias vidas. Facada não é a via.

 

Depois de tanto desmando e tanto desmantelo, para onde irá este pobre país? O placar final das eleições ajudará ou complicará ainda mais a sua delicada situação? Aprenderemos alguma coisa com o momento vivido? Ou seguiremos de nariz torcido, como se o mundo fosse uma cloaca máxima, satanizando os que não compartilham conosco as mesmas idéias e destilando o mais puro ódio envelhecido em barris de carvalho? Lá fora, a senhora passa apressada, a bolsa apertada contra o peito, com medo do menino cuja ameaça é apenas a cor da sua pele. O rapaz afeminado é vaiado pela turma boa da borracharia, que acabou de dar piada para a mocinha roliça. Palavrões mil contra o coiso, o pescoçudo, o poste, o santo e a rainha do papo furado... E vamos que vamos...

 

Foto do Romeu Duarte

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