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Adrenalina
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Adrenalina

 

A Lauro Bezerra

De uns tempos para cá, começou a se sentir estranho. De moço recatado, comportado, tímido, cumpridor dos deveres da rotina, passou a ser ousado, invocado, dir-se-ia até bonequeiro. Se antes evitava confrontos por temer o perigo, hoje ansiava pelas situações-limite, o coração saindo pela boca, a tensão de estar prestes a cair no abismo a qualquer instante. A batida de centro na nova vida deu-se numa sexta-feira, quando, ao final do expediente, em vez de ir mansamente para casa, como fazia todos os dias, resolveu tomar cachaça com churrasco de gato no boteco improvisado na calçada. Foram três dias de ressaca e diarréia, que ele adorou. "Batismo de fogo", comemorou, já pensando em torcer Fortaleza no meio da Cearamor ou Ceará no meio da TUF.

"O negócio é sentir o sangue correr quente nas veias!", ruminava, enquanto seguia madrugada adentro pelas vielas do Conjunto São Miguel encarando os passantes. No mesmo dia, teve a coragem de ir à manifestação coxinha na Praça Portugal com a bandeira do Lula para depois se fazer presente em outro comício na Praça Clóvis Beviláqua com a camisa do candidato nazista. Sim, a possibilidade de poder se arrebentar a qualquer momento deixava-lhe em êxtase.

Grafitou no muro da simples morada, onde residia só, ofensas ao GDE, ao PCC e ao CV. Defendia aos berros o governo do postiço nas assembléias dos funcionários públicos federais. Cantou a plenos pulmões a "Internacional" em um evento na Fiec. Insultar o outro, a pulsão da morte iminente: orgasmos.

Dava gargalhadas quando ouvia a palavra "empoderamento" nos encontros das feministas e chegava montado de drag-queen nos almoços de sexta-feira daquele bar lotado de machões. Fissurado em frio na espinha, inventava tórridas mensagens eróticas femininas no seu Facebook, que deixava aberto no computador da namorada.

Encarava sem problema as marmitas da Praça da Estação, as batatinhas na sexta fritura de óleo do Coração de Jesus e o caldo de panelada requentada na bodega da Granja Portugal. Numa reunião em Sobral, defendeu a candidatura do índio ao Senado e perguntou ao Ciro Gomes se ele achava que os magnatas da avenida Paulista iriam votar nele. O prazer de experimentar riscos de todo tipo era tudo para ele agora. O seu vício.

Achando pouco o que fazia, fez um curso de paraquedismo no qual desafiou a lei da gravidade abrindo o pára-quedas quando quase não dava mais tempo. Foi de Uber a um protesto de taxistas no Centro. Rezou uma "Salve Rainha" com megafone no culto da Universal e quase foi linchado quando jogou um balde de tinta vermelha na estátua da Virgem Maria, no último 13 de maio, na Igreja de Fátima. Interrompeu um velório esculhambando o pranteado. Súbito, tão rápido quanto irrompeu, a vontade de causar e passar perrengue sumiu por completo. Um recente e trágico acidente aquático mostrou-lhe que havia gente bem mais viciada em adrenalina do que ele. Forçara a barra e agora voltava à modorra habitual. "Vou criar peixe", convenceu-se. "Dourado, platys, betta não".

Foto do Romeu Duarte

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