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Uma saída para o Centro
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Uma saída para o Centro

 

A Renato Pequeno


O desmoronamento do edifício Wilton Paes de Almeida no Largo do Paissandu, em São Paulo, ocupou minha cabeça nos últimos dias. Projetado pelo arquiteto Roger Zmekhol e construído em 1968, era considerado uma joia modernista com seus 24 pavimentos em vidro verde, o que lhe valeu o tombamento no âmbito municipal paulistano. Quem gosta de arquitetura e é arquiteto, como no meu caso, sofre quando vê um belo prédio ruir e, muito pior, quando vidas são perdidas num sinistro, tal como aconteceu. Bati muita perna naquela região nos meus tempos de mestrado e doutorado na FAUUSP, local onde nasceu o sanduíche Bauru e onde ecoa o som da Galeria do Rock. A imagem do pobre diabo que quase foi salvo pelo bombeiro, caindo ao encontro da morte, é feroz.


De pronto, as hienas reacionárias, no seu hediondo plantão, partiram para a demonização generalizada de todos os movimentos sociais por moradia (pois é, o Boulos começou a incomodar...). Esquecem-se (ou desconsideram, já que quem morreu era pobre) do preceito constitucional relativo ao cumprimento, pela propriedade privada, de sua função social. Na Pauliceia, segundo cálculo da Secretaria Municipal de Urbanismo, há 708 edifícios não utilizados, sendo 70 deles abandonados e ocupados por sem-tetos só na área central. Quem não tem onde morar, ao relento é que não vai ficar. Disse-me uma vez um mendigo: “Quem quiser saber o tamanho de uma noite que vá dormir na rua”. Enquanto isso, os poderes públicos jogam o abacaxi um para o outro. Cínicos.

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E na Loura, como se dá a coisa? Em 2008, a Habitafor cadastrou 660 imóveis sem uso em Fortaleza. Deste total, 58 se encontravam no Centro. São números velhos, que carecem de atualização. A solução me parece simples e junta duas áreas do meu interesse, habitação e patrimônio, vez que muitos desses prédios vazios ou ocupados precariamente têm valor cultural. A saída é recuperar esses edifícios e dotá-los dos usos residencial e misto (comércio mais serviços), destinando-os à moradia popular. Para tanto, a grana de vários fundos, habitacionais ou não, tais como o Minha Casa Minha Vida e os títulos da dívida pública, estão aí ouvindo a conversa. O Centro se beneficiaria com gente e muvuca nos três turnos. Os arquitetos, cheios de trabalho, sorriríamos.


Diriam as mesmas hienas, sempre preocupadas em destruir o sonho alheio: “Ah, é?! Você quer encher o Centro de miserável?! Vai gastar os tubos para dar casa a uma ruma de lascados ligados a facções?!”. Digo eu: “Falsas hienas enraivecidas, o direito à moradia digna é assegurado a todos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal. Cumpri-lo não é dar esmola, é uma obrigação do Estado, é estreitar o largo fosso da desigualdade. É bem melhor que ir para a Praça Portugal de camisa da CBF segurando o estandarte do Fortaleza Apavorada”. Voltando ao projeto, seria uma chance para o Centro recuperar sua vitalidade e relevância, principalmente se a essas ações forem somadas outras atividades revigorantes. Arquitetura é para todos!

 

Foto do Romeu Duarte

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