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O novo brinquedo
Foto de Romeu Duarte
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

O novo brinquedo


Chega-nos a notícia de que Fortaleza ganhará brevemente uma roda gigante, a ser erguida no meio de um espigão temático na Praia de Iracema. Os números do artefato impressionam: terá 100 m de altura (será mais alta que o Cristo Redentor e o Elevador Lacerda) e oferecerá aos seus visitantes 24 cabines climatizadas com 30 m² de área e capacidade para 32 pessoas cada. Será a primeira a ser instalada no Brasil, com previsão de inauguração no réveillon de 2019 para 2020. Seu desenho é inspirado na famosa London Eye, também conhecida como Millennium Wheel (Roda do Milênio), equipamento semelhante existente na capital da Inglaterra e situado às margens do Tâmisa. Será construída e administrada pela iniciativa privada e servirá à recreação dos vips.


Como talvez não tenha condições financeiras para encarar um entretenimento tão caro, resta-me usar a imaginação de arquiteto para curtir o novo brinquedo da cidade. Lá de cima, dominaremos visualmente as belezas da Loura: seu verde litoral, com suas jangadas e navios, o skyline do Meireles e da Aldeota, a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção e o Riacho Pajeú, as torres da Catedral, o mangueiral do Benfica, as serranias de Maranguape e Pacatuba ao longe. Grupos de amigos me acenarão do Raimundo do Queijo, da Embaixada da Cachaça e do Alpendre. De quebra, nesta translação em que tudo que sobe tem que descer, aproveitaremos os ups and downs do vertical carrossel para refletir sobre os bons e os maus momentos da vida em meio a goles e petiscos.

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Deixando o sonho de lado e enfrentando o duro feijão cotidiano, lá do alto também serão vistos os graves problemas que assolam nossa urbe: a violência que grassa nas periferias miseráveis, a droga saindo da favela para as narinas finas dos bacanas, a imensa, pobre e desassistida zona oeste, o velho Centro destruído, as chacinas promovidas pelas facções, a informalidade presente em quase tudo o que se constrói, a falta de esgoto e água encanada, a malha viária esburacada, rios e lagoas podres e outras tantas mazelas urbanas. Qual cachorro mordido por cobra, ao ver linguiça já saio correndo: repete-se mais uma vez a cantilena de negócio tocado com dinheiro privado via concessão pública. Os exemplos do gênero das últimas Copa e Olimpíada ainda estão aí...


Como não podia deixar de ser, a novidade é divulgada ao som de fanfarras em tom sebastianista. Mais um empreendimento voltado à salvação de Fortaleza mediante o fomento ao turismo e a garantia de sua visibilidade como destino turístico de categoria internacional, agora na versão amusement city (cidade que oferece diversão de elevado padrão). Lembrei-me da Loura, na passagem do século XIX para o XX, melindrosa sapeca vivendo sua Belle Époque. Sua elite ávida pelas inovações européias e ignorando ou varrendo para baixo do tapete social aquilo que lhe parecia canelau ou incômodo. Cidade turística é aquela que é boa, antes, para seu povo. A roda gigante poderia ser um brinco numa cidade justa, agradável e resolvida. Argola de ouro em focinho de porco?

 

Foto do Romeu Duarte

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