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A última que morre
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

A última que morre

 

A Nirton Venâncio


Inveterado cinéfilo das antigas, retenho até hoje, em minhas já fatigadas retinas, o filme Enigma de uma vida (“The Swimmer”), feito em 1968, dirigido por Sidney Pollack e estrelado pelo grande Burt Lancaster. Na película, a que assisti pela primeira vez no velho cinema da Base Aérea, Burt é Ned Merril, um abastado homem de meia-idade, que decide visitar os vizinhos de sua bela casa nadando em suas piscinas. Recebido de início de forma calorosa, Ned vai aos poucos sendo tratado com azedume até encontrar, na última braçada, uma rancorosa ex-amante. O filme, mistura de sonho e pesadelo, é uma alegoria da sociedade norte-americana no período, na qual um dia de sol se desfaz em tempestade. Se puderem ver, assistam, que Hollywood já fez muita coisa boa...


Talvez inspirados no tema do filme, eu e o Altino Farias, dono da Embaixada da Cachaça, no penúltimo dia de 2017, tivemos a ideia de dar um rolezinho nos nossos queridos bares de fé para desejarmos Boas Entradas aos proprietários e distintas clientelas. Na véspera, elencamos nove botecos da nossa estima e preparamos o fígado para a intrépida jornada. No dia marcado, ao meio-dia, me encontrei com ele no Bar do Nonato, impávido ícone boêmio da Gentilândia. Vinha do Bar do Adão e da Rainha da Panelada, duas referências etílicas do São João do Tauape. Confraternizamo-nos com o Enéas e seu grande elenco e rumamos para o próximo destino, o Buraco do Reitor. Lá, a mesa há muito já estava posta, com o Andrade e o Pateta dando de comer e beber aos convivas.


Comunicados os votos de Ano Bom, tocamos nosso vadio barco na direção do Bar do Paraibano, marco da boêmia do Otávio Bonfim. Seu nonagenário dono nos recepcionou com fartas doses de cana e um feijão com toucinho feito no caldeirão da bruxa, que é como chamamos carinhosamente a cozinha do velho estabelecimento. Mas já era hora de tomarmos o caminho do Camocim, botequim de primeira radicado no Jacarecanga. Foi só lá chegar para que seu gerente fosse ao fogão para fritar para nós uma supimpa porção de torresmo, devorada aos goles da bendita malvada. Fomos rebater a mistura no Vitória Bar, valente taverna incrustada no Centro e talvez a mais vetusta desta Loura Bêbada do Sol. Seu Nogueira, sentado em seu banco, parecia o piloto da nave.

 

Foi só dobrar a esquina da Travessa Crato e dar de cara com a turma danada de boa do Raimundo do Queijo, àquela hora mais para lá do que para cá. 2018 bem desejado, fomos ao Flórida abraçar o Hermínio, a Maria e o Deinha. Por fim, encerramos nossa trajetória tomando cerveja no bar do meu colega de viagem. Em todos os locais visitados, nesta ligeira crônica social de subúrbio, encontramos alegria, risos e, apesar do que se amargou no ano que então apenas estrebuchava, muita, muita esperança, a última que morre. Ao contrário da fita, a simpatia e a generosidade foram nossas gentis anfitriãs em cada parada. Como disse o sábio Aldir Blanc, “bebida só faz mal quando o tira-gosto é tristeza”. Eis a verdade verdadeira. Ah, que o ano flua assim para todos nós...


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