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Um homem bom
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Um homem bom


À memória de Erasmo Pitombeira


A notícia me atingiu como uma punhalada na estrada que leva de Fortaleza a Aracati. Mais uma vez envolvido com a universidade e o patrimônio, fazia planos e entabulava projetos quando a Indesejada das Gentes deu o ar da sua (des)graça. Lá fora fazia um calor de rachar, um sol de novembro, as lagoas secas e a vegetação cinzenta, cenário este, aliás, que você tão bem conhecia. Paramos no caminho para tomar café e comer alguma coisa. As árvores nem se mexiam em meio à brisa quente e silenciosa. Perto dali, a sua querida Fazenda Mutuca talvez já estivesse pranteando a sua passagem.

Merendamos calados e seguimos. “Lembro-me dele, era um sujeito forte, de bigodão, era ver um coronel daqueles tempos”, disse-me, solene, meu companheiro de viagem.


Chegando à terra de Adolfo Caminha, fomos direto ao Sobrado do Barão de Mecejana, no centro do sítio histórico. Recordei-me de que conversamos sobre este prédio, de que tanto você gostava, na penúltima domingueira do Raimundo do Queijo. “Quando eu me aporrinhar, compro esse bicho e vou morar lá com a Dona Militana. Se o Lucas quiser ir, o que não falta é canto para ele”, falou-me você naquela ocasião, em meio ao gole no copo alto de cerveja com três dedos de espuma. Uma obra emergencial se desenrolava no edifício de bela e singela arquitetura. As paredes pintadas com motivos florais, a estrutura de carnaúba, os pisos em tabuado, a tijoleira rústica, tudo ali era a sua cara. Aí eu chorei, meu amigo, e como.

“Engula o choro, cabra”, você diria.


Mas a vida, às vezes, não se dá do jeito que a gente quer. As circunstâncias nos jogam de um lado para outro segundo seus desígnios, mamulengos da sorte que somos.

 

“Cabeçudo”, “cabeça de urupema”, “menino”, decerto você assim me chamaria se me visse ali, entre as sentidas recordações e o trabalho por tocar. Fazendo fotos dos cômodos e dos detalhes e enxugando os olhos com as costas da mão, meu desejo era terminar logo com tudo e voltar rápido à Loura para o derradeiro encontro. Mas a vida, às vezes, não se dá do jeito que a gente quer. As circunstâncias nos jogam de um lado para outro segundo seus desígnios, mamulengos da sorte que somos. Meu celular não parava de tocar, com meus amigos ainda incrédulos quanto ao triste acontecimento. Alguns se lembravam, pesarosos, da nossa última reunião, quando você pediu ao Seu Raimundo para escaldar os copos face às brincadeiras afetadas de alguns convivas presentes.


Fazendeiro do mar, almirante do sertão. Engenheiro, homem público e professor, mas também vaqueiro, tropeiro, boêmio, escritor e poeta. Sempre de olhar atento para o clima, a preocupação com a falta d’água, com o comer das pessoas e dos animais. O crânio por trás do Porto do Pecém que, aliás, deveria ser agora batizado com o seu nome. Chegando fora de hora, não tive condição de estar no seu velório. E nem terei como me fazer presente à sua missa de sétimo dia. “É a luta, meu caro, cruenta e sem quartel”, diria eu, para ouvir de você um sonoro palavrão e uma gaitada na seqüência. Talvez seja melhor assim: fica-me a sua imagem de quando nos despedimos, você todo no linho, sapatos bonitos. “Deu uma saudade lá de casa”, bateu uma saudade de você...

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