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Arte e cidade
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Arte e cidade


Nós, arquitetos, fomos educados a ver a cidade como a maior invenção do homem. Além da atenção às necessidades humanas, aos fluxos e à distribuição das funções no território, o cuidado com a morfologia urbana, seu desenho, funcionalidade e beleza, sempre foram matérias do nosso métier. Quando nos transformamos de nômades em seres sedentários e fomos dos egípcios e sumérios, passando por Grécia e Roma, às trevas iluminadas da Idade Média, aprendemos que viver em sociedade impunha uma ética, para além de uma estética. Depois, fora dos muros feudais, o ar da cidade libertava mediante os bons ventos do comércio. Filhas tímidas das perspectivas barrocas, as vilas coloniais brasileiras floresceram e assistiram aos melhoramentos trazidos ao Rio de Janeiro pela família real portuguesa. Mais tarde, a cidade se fez magnífica para inglês ver.


A urbe moderna, com suas máquinas de morar, elegeu a habitação, o trabalho, a recreação e a circulação como seus paradigmas máximos, não só de função como também de forma e significado. Esses foram pontos que, por sua novidade e radicalidade, promoveram uma verdadeira revolução nas maneiras de usar a cidade. Na seqüência, a cidade-espetáculo pós-moderna, lasciva e permissiva vedete, desenhou-se para atrair rios de dinheiro. Neste ínterim, nas aglomerações urbanas explodiram vários conflitos, mormente nas acometidas pela doença da metropolização descapitalizada. A cruel desigualdade, mãe de todas as mazelas, tem moldado as cidades, que vão assumindo a forma dos seus problemas. Em todas, um universal cultural: o monumento. Em barro, pedra, mármore, concreto, aço ou holograma, este sempre foi o sinônimo de arte citadina.


Contudo, a cidade é lugar de encontro e desencontro, de opiniões contraditórias, de modos diferentes de enxergar as coisas e o mundo, estes tornados mais complexos quanto mais complexo seu ambiente for. Neste passo, a arte, abandonando os bem comportados salões dos museus e refletindo a urgência e a violência destes tempos, passou a interferir no espaço urbano de maneira insurgente. Nas versões de grafite, pixo e stêncil, foi descrita por Norman Mailer como “uma rebelião tribal contra a opressora civilização industrial”. Há também quem veja essas expressões artísticas como violação, anarquia social, vandalismo puro e simples. Pouca gente sabe, entretanto, que todas essas manifestações já se registravam em pleno império romano. Nada de novo sob o sol, pois; mas, nada será como antes. O grafite transmutou-se no retrato fiel da metrópole.


Porém, como solfeja Paulinho da Viola, “a toda hora rola uma história que é preciso estar atento, a todo instante rola um movimento que muda o rumo dos ventos”. Saída dos guetos e das estações de metrô na década de 1970 e tida como lídima manifestação artística de revolta das classes sociais oprimidas, a arte urbana vê-se hoje convidada não só a ornar as prestigiadas paredes das instituições museais e das galerias como também a emprestar suas cores para animar festivais bancados pelo Estado, embelezar setores urbanos combalidos e até mesmo estampar mercadorias. Nessa trajetória, se ganhou maior visibilidade, perdeu sua essência, a rebeldia. Reclama-se muito do seu desrespeito à linguagem das arquiteturas que encobre. Canta aí, Ricardo Bezerra: “Já riscaram pelos muros raiva, dor e esperança, mas eu vou riscar na vida o teu nome com uma canção”.



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