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Minhas moradas
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Minhas moradas


Revendo os lugares onde morei, veio-me à mente a genial frase de Charles Bukowski: “Definição de bom bairro: lugar onde a gente não tem condições econômicas para morar”. No meu caso, esta afirmação faz e não faz sentido, como tudo na vida, aliás. Tudo começou em Belo Horizonte, na casa da minha avó, no bairro da Floresta, onde abri os olhos para o mundo. Daí, vim para o Ceará, com minha família, morar no Cocorote, coração da Base Aérea de Fortaleza. Lembro-me até hoje do cheiro forte de gasolina de avião que se espalhava no ar matinal.

Habitávamos uma casa improvisada, a qual tinha sido originalmente um posto de saúde para os americanos da 2ª Guerra Mundial. Lá fiz a pós-graduação em natureza, entre cobras, sapos, lagartos e outros bichos.


Na sequência, fomos bater com os costados na vila da velha Base Aérea, onde moramos na Travessa Santa Cruz e depois na recém-construída Av. Borges de Melo. Mais tarde, fui saber que morei em casa projetada pelo Emílio Hinko e defronte à Igreja de Nossa Senhora do Loreto, padroeira dos aviadores, desenhada por Neudson Braga. Posso dizer que, junto com as lições diárias do Colégio Cearense, foi lá onde aprendi tudo o que sei, entre malandros, santos, bandidos e jogadores de futebol. Aposentado, meu pai comprou uma casa no Dionísio Torres, para onde nos mudamos. No caminho, a traseira do caminhão se abriu e nossos móveis foram ao chão. “A Aldeota tá se enchendo de pobre”, disse um bacana ao volante de um Opala, achando graça do nosso desespero.


Não fora a Solange, o Bar do Aírton e a turma boa da Barão de Aracati, teria pedido as contas e batido em retirad.

 

Começou aí a minha convivência com o lado leste da cidade, às vezes não pacífica. Acostumado todo dia a ver minha mãe passando um quilo de açúcar por cima do muro para a vizinha do lado, que mais tarde mandava de volta um bolo ou um pudim, não compreendia a falta de contato humano, os muros altos, as calçadas desertas daquele lugar.

Não fora a Solange, o Bar do Aírton e a turma boa da Barão de Aracati, teria pedido as contas e batido em retirada. Casadinhos de novo, fomos residir no Papicu, próximo ao Parque do Cocó, num apartamento simples. Nunca me dei com aquele bairro. Jamais pus os pés no verde do pobre rio. A verticalização já dava lá seus primeiros passos. O automóvel regendo o ir e o vir. E pensar que ficamos lá por longos nove anos...


Com a diáspora familiar (meus pais e minha Tia Santa se mandaram para perto do Iguatemi, meu irmão foi para o Guararapes), sobrou para mim e o meu povo a velha morada do Dionísio Torres. Após quase uma década fora, algumas vantagens: a proximidade dos meus sogros, cunhadas e concunhados e a presença alegre da Vila Vicentina. Desvantagens: o bairro se transformara num canyon e numa ilha de calor, com a derrubada das árvores e as elevadas torres tomando o espaço das antigas casas. Minha rua, aos poucos, foi virando uma via de apoio da Padre Valdevino, aumentando o seu fluxo de carros e, com este, o barulho e a poeira. Nossas duas filhas já fazem planos autônomos. Pois é, Mário Quintana: “A gente continua morando na velha casa em que nasceu”...

Foto do Romeu Duarte

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