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A última flecha
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

A última flecha


A Clayton Lima


Aos 49 minutos do segundo tempo, só restava aquela chance ao Alvinegro para não sair derrotado do Castelão. No bar lotado, a ansiedade era geral. Os torcedores do time contrário, no seu legítimo e mais que exercido direito de secar o rival, sorriam de canto de boca com o possível infortúnio. Por requintes de sadismo do acaso (ou do desorganizado canal de televisão especializado em esportes), a transmissão do jogo só começara aos oito minutos da etapa inicial, quando as duas equipes já estavam empatadas em 1 x 1. “Vou cobrar com juros e correção monetária! Não pago mais nenhuma mensalidade dessa onça!”, bradava, injuriado, o amante de quatro costados do Vozão, os olhos azuis já turvos pelas muitas cachaças. Eita, as coisas por ali andavam difíceis...

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O placar adverso de 2 x 1 incomodava mais que gago tentando recitar poesia concreta. Certo, a semana tinha sido horrível, para variar. O senador mineiro havia transformado o stf (minúsculas, revisor, sem pena) em pó e agora respirava aliviado. O (des)interino mais uma vez comprara todo mundo em seu afã de escapar, o que conseguiu, não sem antes dar uma marcha à ré ao século XVIII dando gás ao trabalho escravo, joia da coroa ruralista. O ultra-ridículo prefeito paulistano, o tal mr. farinata, na companhia de um cardeal imbecil, tentara, sem êxito, convencer a patuleia a comer a sua ração vencida. Os meninos de Goiás, os meninos das favelas cariocas, os meninos do Jangurussu, os pobres meninos do Brasil. Contudo, a derrota ferroava e como.


“Esse cara deveria ter entrado de saída, isso sim, e não a poucos momentos do final. Esse treinador é um idiota, não sabe de nada!”, vociferava o Blue Eyes, já rouco. “Entrar de saída é o mesmo que sair de entrada? Não haveria aí uma contradição linguística, um oxímoro, meu caro?”, perguntou o malino companheiro de mesa, num risinho. Uma saraivada de palavrões cabeludos tomou o recinto, já carregado pelo nervosismo dos presentes. “Mil perdões, meu caro”, falou o colega, “você está muito tenso. Seria melhor você ficar calado, conselho que também daria a um loquaz ex-governador nosso”, curtiu. Os ecos da semana ruim ainda se faziam ouvir: o índio, sem apito e no mato sem cachorro, havia apoiado a campanha da jararaca, mais viva do que nunca.


Falta para o Ceará, longe da trave, no lado direito da grande área, bola parada, uma frágil barreira de dois jogadores. O nervosinho, que prometeu a si mesmo não falar mais, até por penitência (“Quem sabe essa minha promessa não valha um gol?”, pensara ele), gesticulava ensandecido para o garçom trazer um prato de laranja cortada. “Vixe, o homem endoidou! Em vez de laranja, vou trazer é um Gardenal para ele...”, brincou o leva-e-traz, enquanto o amigo chorava de rir. O jogador do Preto-e-Branco tomou distância, meteu o pé na carreira e disparou um petardo de trivela, com uma curva que nem o Niemeyer desenharia. A pelota passou pelo goleiro e quase rasgou a rede. Golaço. Fim de jogo, empate, segundo na tabela. O penitente, malucão, gritava em silêncio.


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