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Tirando boneco
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Tirando boneco

A Carlos Antônio Caminha e à turma boa do balcão da Embaixada da Cachaça

 

Procura-se Chico Litro. Ninguém sabe do seu paradeiro. Na última vez que foi visto, fazia o de sempre: sentado à mesa do bar de estimação feito um paxá, caninha do lado, ar taciturno, cabelos desgrenhados, boné vermelho, lábios silentes. Foi só o dono do botequim virar o rosto para atender um freguês e, zás, o cabra sumiu. D. Santinha, sua paciente mulher, é um chorar que não tem mais fim. Zé Siriguela, seu companheiro de presepadas mil, curte uma tristeza de dar dó. Toinho, o taberneiro fiel, pega do pano com o qual limpa o balcão e enxuga as lágrimas. Já tem mais de uma semana que o sujeito escafedeu-se, ou como diz um gaiato bem acolá, deu uma de Belchior. Seus colegas de copo e de cruz lamentam o ocorrido, doidos para beber a sua volta.

 

Procura-se Chico Litro. As fotos nos celulares remoem a saudade: Chico Litro tomando uma com caju, Chico Litro de papo com a morena reboculosa, Chico Litro trocando ideias com o escritor renomado, Chico Litro atento ouvindo a Zabumbossa. Muitos nós nas gargantas, semblantes amargurados. O homem era mesmo de muitos amigos. “Não admito que ele faça uma coisa dessas conosco!”, diz um mais exaltado, as veias saltando-lhe nas têmporas. E pensar que tudo isso começou em abril deste ano, ele chegando de mansinho, calado, atrás de um emprego de Judas na Semana Santa. Quando perguntado sobre quem era, com a voz pastosa dizia: “Minha vida é um litro aberto”, daí o epíteto. Suas muitas tietes sofrem a sua ausência. O bar não é mais o mesmo sem ele.
 

Procura-se Chico Litro. E os malvados, claro, fazem do seu desaparecimento uma diversão, espalhando fotos falsas nas redes sociais: Chico Litro, com o trump (isso, revisor) de uma banda, mandando jogar bomba na Coreia do Norte, Chico Litro com o temer (ô revisor pai d’égua!) em Brasília vendendo o Brasil, Chico Litro aboletado no Raimundo do Queijo dizendo “meu lugar agora é aqui”, Chico Litro numa boa na Igreja de Fátima bebendo o vinho da Eucaristia. Apareceu até um pedido de resgate, escrito em árabe num papel amassado: “Estamos com o tal cruzado. Não fala nada, só faz beber o álcool do demônio. Se não pagarem o que queremos, nosso califado o esfolará vivo. Allahu akbar!”. “É muita maldade, ô povo ruim”, fala, entre soluços, D. Santinha.

 

Procura-se Chico Litro. Zé Siriguela, já resignado, mesmo assim vai toda tarde ao boteco na vã esperança de reencontrar o parceiro. Toinho não só lamenta o sumiço do cliente como também as muitas contas dele penduradas, agora sem qualquer previsão de pagamento: “Dá para comprar um carro popular com o fiado”, geme. “Uma pessoa que assim procede, sem pensar em ninguém, só pode ter um coração de palha”, reclama um diarista inconformado. Os dias passam sem qualquer notícia do maroto, aumentando a angústia dos que só têm a espera como ofício. “Guardei todas as garrafas de cachaça que ele bebeu aqui”, diz um fã, “Enchi dois quartos e um WC de empregada. Ô sede monstra, vixe!”. O sol nasce e morre e nasce e nada dele. Pense num boneco... 

 

Por Romeu Duarte

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