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Festival Vida&Arte celebra Padaria Espiritual

2018-06-22 01:30:00
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O POVO, em seu ineditismo e empreendedorismo cultural, parte à frente e apresenta, no Centro de Eventos, uma sobreoferta de cultura neste fim de semana. O Festival Vida& Arte se dobra a referências locais e nacionais com artistas e mestres do saber e não poderia esquecer de homenagear, junto com o Café Três Corações, um espaço de cultura e gastronomia que será a Cafeteria Espiritual. A ideia do espaço foi uma referência e justa homenagem à Padaria Espiritual, agremiação literária que surgiu no Centro de Fortaleza, mais especificamente no Café Java, de propriedade de Mané Coco, em 30 de maio de 1892, reunindo, à época, escritores, pintores e músicos.


Na Praça do Ferreira existiam quatro cafés e restaurantes: Café Elegante, Restaurante Iracema, Café do Comércio e Café Java, que era um ponto para as reuniões de um grupo de jovens escritores inicialmente composto por Antônio Sales, Lopes Filho, Lívio Barreto, Ulisses Bezerra, Temístocles Machado e Tibúrcio de Freitas. Eles conversavam sobre Literatura e, por meio de “fornadas”, protestavam contra a burguesia, o clero, a polícia e tudo o que fosse tradicional, como constava de seu programa de normas, na verdade 46 curiosas regras que relatam bem alguns preciosismos da época: “Será registrado o fato de aparecer algum padeiro com colarinho de nitidez e alvura contestáveis”.


Apesar do movimento ser essencialmente cultural e nada gastronômico, toda a prosa se dava ao redor de goles de café. E mesmo com um nacionalismo radical, preparações culinárias cujo neologismo esquecia as origens eram bem vindas. A ideia inicial do grupo era despertar nos moradores o gosto pela Literatura que, na década em que a agremiação foi fundada, andava um pouco esquecida. Antonio Sales deu o nome de Padaria Espiritual, uma forma de se fazer entender usando como referência os operários da padaria e seu produto final, que era o pão. Assim, os padeiros espirituais eram classificados como: Padeiro-Mor (presidente da agremiação); Forneiros (secretários); Gaveta (tesoureiro); Investigados das Cousas e das Gentes (bibliotecário); Amassadores (sócios); Forno (restaurante onde acontecia as reuniões) e, como não poderia deixar de ser, o resultado final das reuniões era um jornal de oito páginas chamado Pão. Não custa ressaltar para os leigos em panificação que o Amassador é a mesma coisa que padeiro, visto que o movimento de sova da massa é um amassamento.


O uso de termos e denominações de cozinha é uma forma de aforismo, um modo de se fazer entender, mas normalmente as apropriações se dão às reverberações negativas da cozinha, como sua conotação servil, ambientes quentes e insalubres e com aspectos de sujo, como visto recorrentemente nas obras de Pierre Bourdieu, que sempre que falava de algo sujo dizia algo como: “jamais sujaria suas mãos nas cozinhas do empirismo”.


As cafeterias que se localizavam na Praça do Ferreira perduraram até 1920, quando foram retiradas pelo então prefeito Godofredo Maciel. Pergunto-me se algum dia teremos, no Brasil, restaurantes e bares como os europeus, que passam a fazer parte do patrimônio histórico, como o Café Le Procope, em Paris, o Café do Comércio de Lisboa, homônimo ao da Praça do Ferreira, mas vivo até hoje. “Detalhes” históricos à parte, do que nos cabe que é a arte de espichar o bucho, ficam as referência culinárias daquele logradouro, ou seja, o que se comia ou bebia pelos “Forneiros” do passado. Bom Festival Vida&Arte a todos!

 

B.I.C.A

O café que era consumido à época vinha de Minas Gerais e o açúcar vinha do interior paulista. Mesmo sendo grãos de excelente origem, a torra era feita na fogueira sem o esmero e controles atuais. Assim, afim de suportar extremo amargor, o café passou a ter um apelido de “BICA”, mesma denominação usada nas mesas de Cascais, em Portugal. Tal sigla era uma abreviação de Beba Isto Com Açúcar, assim, quando se pedia um café, chamava-o de BICA e ele já vinha bem adoçado.

 

ARIACÓ:

Diferente do que comemos hoje, o bolinho de peixe naquela época não era frito e sim um amassado de peixe cozido com farinha de mandioca servido enrolado na folha de bananeira. Era um capitão de peixe com farinha d’água. A farinha era o conservante e o acompanhamento e o aspecto era de um bolinho de coco.

 

CHOURIÇO DOCE:

Ou simplesmente chouriço, é um doce típico das regiões sertanejas do Ceará, preparado à base de sangue de porco, farinha de mandioca, rapadura, gergelim, castanha de caju, leite de coco, erva-doce, cravo, canela, gengibre, pimenta-do-reino entre outros. Era servido dentro de um copo de vidro. Por que não dizer que ali se serviu o primeiro bolo de pote do Ceará?

 

SAÍDA DE CARITÓ OU MUGUNZÁ:

Esse era o nome que se dava ao que conhecemos hoje como mugunzá. Os padeiros diziam que as moças de boa família que soubessem fazer um bom mugunzá é porque tinham o mesmo “calor” do prato. Assim, milho quebrado, barriga de porco defumada, paio e às vezes carne de sol compunham o prato.

 

CANELA DE VEADO:

Era uma mistura de café, leite e um pau de canela. Segundo os padeiros, a canela lembrava a canela do Veado Campeiro, assim batizaram esse café aromatizado em homenagem ao animal.

 

BRUACA:

Era o doce mais consumido pelos padeiros. É uma espécie de panqueca frita feita de farinha de trigo, farinha de tapioca, ovos e açúcar e era frita em banha de porco. Não se sabe se a origem do termo bruaca como analogia a mulheres feias saiu daquela praça ou época, mas os padeiros que abominavam o clero e, por conseguinte, as freiras católicas, diziam que elas eram feias e tortas como bruacas.

Dentre as regras dos padeiros, algumas envolviam a comida. São elas:

“Aquele que durante uma sessão não disser uma pilhéria de espírito, pelo menos, fica obrigado a pagar no sábado café para todos os colegas. Quem disser uma pilhéria superiormente fina, pode ser dispensado da multa da semana seguinte.

“O Padeiro que for pegado em flagrante delito de plagio, falado ou escrito, pagará café e charutos para todos os colegas”

“No aniversário natalício dos Padeiros, ser-lhes-á oferecida uma refeição pelos colegas”

“Empregar-se-ão todos os meios de compelir Mané Coco a terminar o serviço da Avenida Ferreira".

 

rodrigo viriato

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