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Quem tem medo das facções?
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Quem tem medo das facções?

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Embora as facções tenham surgido em paralelo com o primeiro mandato de Camilo Santana, o fato é que até hoje o Governo não soube lidar com essa nova configuração do crime organizado no Estado. O equívoco inicial foi a tentativa de fingir que o problema não existia, como se fosse possível negar as evidências de que comunidades inteiras estavam sob o domínio de organizações criminosas. O reconhecimento público só veio quando o conflito entre os grupos rivais explodiu, fazendo com que os índices de homicídios atingissem níveis inéditos.

 

A resposta governamental, contudo, soou tímida se comparada ao complexo desafio que as facções representavam à sociedade. Em contrapartida, o discurso oficial tornou-se mais agressivo. Entramos na era da "justiça ou cemitério" sem que as estruturas de poder do crime organizado sofressem grandes abalos. Diante disso, o processo de interiorização das facções foi uma questão de tempo. As siglas "GDE" e "CV" passaram a ser vistas nos muros de municípios do norte ao sul do Ceará.

 

A gestão Camilo 2.0 precisa definir o que espera como resultado de sua política de segurança pública: a redução dos índices de violência e criminalidade ou a construção de um imaginário do gestor viril, "macho" e destemido? Querer ter as duas coisas, até o momento, tem-se mostrado uma prática desastrosa. A experiência de cidades que se tornaram mais seguras mostra que isso foi conseguido mediante a adoção de políticas estruturantes, pactuação com a sociedade civil, combate à corrupção policial e investimentos em inteligência de segurança pública. Nada disso teria sido possível apenas por meio do voluntarismo ou de demonstrações públicas de heroísmo.

 

A atual crise no sistema penal, cujo reflexo incide diretamente nas políticas de segurança pública, é um problema crônico que remonta ao início do século. A primeira Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) foi construída na gestão Lúcio Alcântara como uma tentativa de por fim à superlotação nas delegacias. Na época, ainda repórter do O POVO, cobri a inauguração da obra. De 2006 para cá, o que era para ser uma solução provisória acabou tornando-se definitiva, com todas as limitações que isso traz.

 

Presídios

 

O caos no sistema penitenciário não é uma questão que pode ser resolvida do dia para noite, mesmo com toda a boa vontade dos policiais e agentes penitenciários que compõem as forças de segurança. Uma semana antes do Ano Novo, circulava no Whatsapp um comunicado ordenando a realização de ataques contra alvos que pudessem instilar o pânico na população como uma retaliação à escolha do novo secretário de Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque. Já havia, portanto, a sinalização de que alguma ação criminosa poderia ocorrer em breve.

 

Diante dessa informação, o que fazer? A prudência indicaria adotar uma posição mais cautelosa e estratégica. Agir dessa forma não é agir "com medo", como muitos bravateiros de internet costumam afirmar. É agir com responsabilidade, pensando no bem estar da população mais pobre, que é quem mais sofre nesses episódios.

 

A atitude de não querer se mostrar "frouxo", contudo, falou mais alto. Em sua primeira declaração, Mauro Albuquerque fez uma provocação direta às facções. Um novo comunicado foi disparado, dessa vez trazendo a íntegra das declarações juntamente com a indicação dos alvos a serem atacados. Se a ideia era mostrar destemor, por que não havia um plano de contingência para caso os ataques ocorressem?

 

A falta de uma ação melhor coordenada obrigou Camilo Santana a solicitar a vinda da Força Nacional justamente ao governo ao qual foi adversário durante as eleições. Diante da polarização política em vigor, isso era tudo o que o governador não precisava logo no início de seu segundo mandato: mostrar em âmbito nacional que o Ceará não consegue solucionar seus problemas internos de segurança. E se a declaração não fosse dada, os ataques não aconteceriam? É impossível afirmar, mas não há como negar que existe uma correlação.

 

Em uma época na qual as redes sociais ditam o modo de se fazer política, a superexposição tornou-se um imperativo. No entanto, aparecer em demasia não é sinônimo de boa gestão. As ações mais eficazes de inteligência são feitas nas sombras e em silêncio. Foi assim que o Crime se organizou no Ceará e se fortaleceu. E é assim que ele pode ser desarticulado. A coragem certamente é uma virtude necessária aos homens e mulheres públicos, mas os tempos atuais exigem mais astúcia que força bruta.

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