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Homicídios no Ceará: um fio de esperança
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Homicídios no Ceará: um fio de esperança

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Compreender os fenômenos sociais é uma atividade que requer um olhar de longo prazo. Dados soltos e fora de contexto muitas vezes podem nos conduzir ao erro. Um bom exemplo disso é a política de segurança pública do Ceará. Para quem vê os números de forma isolada, o retrato atual é desolador. No entanto, levantamento feito pela coluna, a partir de dados do Atlas da Violência e da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), revela que o governo Camilo Santana foi o único, nos últimos 20 anos, que encerrou o último ano de mandato reduzindo a quantidade de homicídios na comparação com a gestão anterior, o que não deixa de ser uma boa notícia.

 

Vamos aos números

 

Em 2014, ano anterior à posse do governador, o Ceará registrou 4.626 assassinatos. Passados quatro anos, o primeiro mandato de Camilo Santana se encerrou com uma queda de 2% no número de homicídios (4.518 assassinatos). O percentual é pequeno, não há dúvidas, mas desde o segundo mandato de Tasso Jereissati (1999-2002) nenhum governante havia conseguido entregar o Estado menos violento do que recebeu (ver quadro).

 

Cada gestor, a seu modo, legou ao sucessor uma situação pior. Nesse quesito, o segundo governo Cid Gomes foi recordista, com 42% de aumento de homicídios na comparação com o ano anterior de sua gestão. É justamente na gestão do pedetista que os crimes violentos letais e intencionais atingem um novo patamar, superando a barreira primeiramente de 3 mil e, logo em seguida, de 4 mil assassinatos por ano apesar de todos os investimentos feitos na área.

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Como se vê, embora tenha fechado em um viés de baixa nos homicídios, a gestão Camilo partiu de um patamar bastante elevado. Nesse período, os assassinatos obtiveram uma queda brusca e profunda nos dois primeiros anos do governo (-14% em média), mas às custas principalmente de uma reordenação do mercado de drogas ilícitas que se convencionou chamar de "pacificação". Quando o acordo foi rompido e a guerra declarada, as ocorrências saltaram 29%, fazendo com que 2017 se tornasse o ano mais violento de nossa história. E isso não se apaga tão facilmente.

 

Quando esses três anos atípicos são desconsiderados (de 2015 a 2017), é possível perceber que o crescimento de homicídios no Ceará em 2018 se deu dentro da média histórica de 6% ao ano. Essa tendência foi interrompida por picos de violência letal, como os que ocorreram em 2010 e 2012, quando os aumentos foram de 19 e 27%, respectivamente. Essas subidas bruscas alteram drasticamente o cenário.

 

Enquanto foram necessários 11 anos para sair do patamar de mil para dois mil homicídios anuais (de 1997 a 2008), esse número dobrou em apenas cinco anos, quando 2013 registrou 4.473 homicídios em um único ano.

 

A perspectiva de que possamos estar vivendo uma trajetória de redução nos homicídios é o fio de esperança necessário para retomar a queda nos índices em bases mais sustentáveis. Embora ainda seja preciso analisar com profundidade os fatores que vêm contribuindo para esse bom resultado, uma iniciativa apresenta-se como bastante louvável: a PM começou a atuar de forma mais sistemática nas áreas que concentram os maiores casos de homicídios. Tratam-se de territórios conhecidos como assentamentos precários, em que as condições mínimas de infraestrutura e bem estar não estão presentes.

 

A presença da polícia e o fornecimento de serviços básicos à população têm puxado as ocorrências criminais para baixo até mesmo pelo choque causado na comparação com a completa ausência anterior de políticas estatais em tais territórios. É preciso, contudo, garantir a continuidade das ações e ampliar as formas de prevenção, fazendo com que outras instituições se insiram nesses locais.

 

Além disso, a manutenção da queda nos homicídios depende diretamente da forma como o Governo irá se posicionar em relação às facções criminosas. Em meio aos ataques, um dado chamou a atenção: os homicídios caíram na comparação com o mesmo período do ano passado. Embora casos como veículos queimados e tentativas de explosão a viadutos se avolumassem, a atuação do crime organizado não se traduziu em aumento da violência letal.

Na verdade, essa foi uma determinação dos próprios comunicados distribuídos que incentivavam os ataques. Em um deles, lê-se: "De pronto fica uma valiosa dica : MATAR NEM SEMPRE É A SAÍDA" (sic). Como se vê, os grupos criminosos entendem que disseminar o pânico pode ser mais efetivo que partir para um confronto direto com as forças de segurança na busca pela defesa de seus interesses. Encontrar uma solução que se baseie mais na inteligência e na estratégia é tarefa dos atuais gestores. Manter-se em um estado de guerra permanente é ruim para ambos os lados.

 

P.S. A coluna entra de férias e retorna em março. Que possamos ter dias mais tranquilos e de paz nesse período.

Foto do Ricardo Moura

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