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Os riscos da política do abate
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Os riscos da política do abate

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O Ceará vive um paradoxo: embora os índices de homicídio venham caindo há oito meses, não é possível afirmar que a população esteja se sentindo mais segura. Somente este ano, tivemos nove chacinas com 53 mortos. É uma quantidade absurda de assassinatos coletivos cometidos em tão pouco tempo. 

 

Em paralelo, o choque e o espanto diante de tudo isso diminuem a cada ocorrência. A violência, como forma de sociabilidade, está cada vez mais consolidada em nosso cotidiano. Estamos ficando mais brutalizados, a verdade é essa.

 

Diante desse cenário, a lógica da ação governamental foi se modificando de forma muito sutil. Traçando um paralelo com a coluna passada, a gestão Camilo Santana começou seguindo o "Plano Izolda", que apostava numa política de segurança comunitária como forma de reduzir a violência e a criminalidade, para encerrar seu primeiro mandato sob a égide do "Plano Witzel", em que o abate de suspeitos tem primazia em relação a métodos mais sofisticados de atuação, como a inteligência policial. O "Ceará Pacífico" manteve seu nome durante o período, mas hoje a "pacificação" significa algo bastante diferente de quando o programa foi lançado.

 

Somente em uma sociedade brutalizada pela violência a ação desastrosa da Polícia Militar no município de Milagres passa em brancas nuvens, sem sofrer quaisquer crítica ou questionamento. Não há outro adjetivo a não ser "desastroso" para designar uma operação policial em que pessoas inocentes 

são mortas no confronto entre policiais e criminosos.

 

Lembram-se da professora Geísa Gonçalves, morta durante o sequestro do Ônibus 174, no Rio de Janeiro? É como se o mesmo caso se repetisse seis vezes. Gostaria de saber a opinião dos comentaristas da internet que pregam que "bandido bom é bandido morto" sobre esse caso. Vocês acham que a atitude tomada pela Polícia foi a mais correta? E se fosse um familiar seu?

O uso da força letal é um recurso legítimo das forças de segurança. Por óbvio que em um conflito aberto os policiais terão de se valer de suas armas de fogo para se protegerem e que, em circunstâncias como essa, os agressores poderão ser mortos. A questão não é essa. A questão é o uso desproporcional e leviano desse expediente, sem levar em consideração que inocentes possam estar em risco e as condições em que se deve ou não disparar uma rajada de tiros contra alvos em movimento.

 

A reação do governador Camilo Santana ao ocorrido foi de uma insensibilidade extrema, para dizer o mínimo, assim como ocorreu na Chacina de Cajazeiras. As frases "é estranho um refém de madrugada em um banco" e "o fato é que eles estavam preparados para assaltar dois bancos e não conseguiram assaltar nenhum" soam como escárnio para quem perdeu seus familiares e amigos durante a operação.

 

As agências bancárias têm seguro e pouco perdem em casos assim. O transtorno maior recai sobre a população que muitas vezes fica sem o serviço quando o banco decide não manter mais uma unidade naquele município. Isso sem falar no valor inestimável da vida humana que não pode, em hipótese alguma, ser comparada à perda de um bem patrimonial.

 

Além disso, responsabilizar as vítimas sem lamentar a perda de suas vidas não é o papel que se espera de um governante. Ser reeleito com 80% dos votos não concede ao Estado licença para matar de forma impune. O mais irônico é que as afirmações do governador foram proferidas na inauguração de um centro de inteligência, ou seja, de uma atividade que deveria nortear as ações da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) nesse episódio.

 

Apostar em uma política do abate aos criminosos na área da segurança não vai trazer dividendos ao Governo do Estado em sua segunda encarnação. Pelo contrário. Como vimos em Milagres, não são apenas os bandidos que serão afetados com tal medida. Testar os limites que uma sociedade suporta viver sob o império da violência é temerário. É preciso ter em mente que as vidas dos policiais também estão em jogo. Arriscá-las de modo impulsivo não é agir com astúcia governamental. Querer investir em uma escalada da violência pode gerar, como resultado, uma demanda por sangue ainda maior que só será saciada quando os "profissionais da violência" estiverem no poder.

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