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A militarização da segurança pública
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

A militarização da segurança pública

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Em março de 2015, o então deputado federal Cabo Sabino (Avante-CE) e o deputado estadual Capitão Wagner (PR-CE) organizaram o I Encontro de Profissionais de Segurança Pública do Ceará. O evento contou com o apoio e a presença de militares e políticos de projeção nacional, como o coronel PM Alberto Fraga (DEM-DF), o subtenente Gonzaga (PDT-MG) e o major Olímpio (PSL-SP), que veio a se tornar senador por São Paulo este ano. O objetivo era elaborar demandas e futuros projetos que pudessem beneficiar os agentes de segurança.

 

Em discurso na abertura do evento, o coordenador da Frente Parlamentar de Segurança Pública no Congresso, coronel Alberto Fraga, comemorou o fato de cinco, entre os parlamentares mais votados no Brasil em 2014, terem sido eleitos sob a bandeira da segurança pública. "A representatividade é importante. Ninguém queria saber da gente. Não se falava em política nos quartéis. Tudo que vem da profissão vem da política. Essa ideia retrógrada [de que não se deve discutir política nos quartéis] vem mudando", argumentou.

O coronel alertou ainda sobre a responsabilidade dos deputados eleitos: "Nossas promessas são pautadas pelo anseio da população por segurança pública. Quando alguém falar besteira no plenário sobre segurança pública, um de nós estará lá para rebater".

 

Fechando sua participação, Alberto Fraga garantiu que não iria sossegar, como deputado, enquanto não acabasse com a impunidade ao adolescente que comete crimes. Para tanto, defendeu a aprovação da redução da maioridade penal: "Menor bandido tem de ir pra cadeia". E foi aplaudido.

 

Esse breve relato do seminário é uma mostra da mobilização política dos agentes de segurança com o intuito de ver suas propostas aprovadas no Congresso. Embora a expressão empregada fosse "profissionais da segurança pública", os militares sempre tiveram maior expressão que os civis nesse movimento.

 

Naquele período, o impeachment de Dilma Rousseff era uma possibilidade remota e nem se imaginava que um capitão do Exército pudesse vir a se tornar presidente do Brasil. A pauta principal era a defesa dos interesses da categoria a partir da noção de trabalhadores portadores de direitos, dentre eles o de se manifestar publicamente. Não à toa, as associações de PMs ganharam protagonismo por serem espaços de articulação dessas demandas, atuando como se fossem sindicatos. Os círculos políticos evangélicos também se mostraram um aliado de primeira hora, haja vista que uma série de pautas era comuns aos dois grupos: leis mais duras, moralismo nos costumes e crítica aos Direitos Humanos, vista como uma política de defesa aos "bandidos".

 

No governo Temer, a política de segurança pública foi ganhando contornos crescentes de militarização. Não apenas as reivindicações da categoria foram sendo atendidas, mas o próprio conceito de militarismo foi se tornando a concepção hegemônica no campo das práticas governamentais. Um exemplo evidente é a intervenção militar realizada no Rio de Janeiro. Além disso, militares passaram a ocupar cargos estratégicos, como o general Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

 

Caberá a Etchegoyen comandar um arranjo inédito no setor de inteligência: uma força-tarefa de inteligência com assento permanente para os militares. O órgão reunirá ainda a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), bem como as polícias Federal e Rodoviária Federal.O grupo debaterá todas as ações direcionadas para o enfrentamento de "organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e suas instituições". Não se pode descartar o risco de criminalização dos movimentos sociais nesse novo cenário, haja vista o conceito de "organização criminosa" ser bastante elástico.

 

A militarização da segurança pública não é um fenômeno exclusivamente nacional, mas segue uma tendência global: mais e mais países vêm adotando táticas e estratégias militares na segurança de suas grandes cidades. No caso brasileiro, há uma particularidade: o aceno aos militares também se deve a uma questão de governabilidade. Por ter surgido em meio a um conturbado processo de impeachment e de questionamento da legalidade de todo o processo, o atual governo viu nas Forças Armadas um aliado para que pudesse ter condições de governar.

 

A perspectiva para o ano que vem é que o processo de militarização se radicalize ainda mais. As propostas apresentadas até o momento têm em comum a noção de que o criminoso é um inimigo a ser eliminado na guerra promovida pelo Estado contra o tráfico de drogas. Na disputa contra uma concepção democrática de segurança pública, a ideologia da segurança nacional - mentalidade que norteava a repressão na época da Ditadura Civil-Militar - venceu.

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