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Quem matou a professora Antônia?
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Quem matou a professora Antônia?

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No bairro Granja Lisboa há uma escola de ensino fundamental e um centro de educação infantil com o mesmo nome: Professora Antônia Maria de Lima. Muitos pais, alunos e professores, contudo, nem imaginam quem foi a mulher que dá nome às duas unidades escolares. Seus muros estampam um caso de impunidade e de violência. No dia dedicado aos educadores, a coluna resgata essa história: a professora Antônia Maria de Lima foi assassinada no dia 18 de outubro de 2007, no "Balão" do Mondubim, e até hoje ninguém foi sequer indiciado pelo crime.

 

Impunidade

 

Antônia Maria de Lima trabalhava como professora na rede municipal de ensino, tinha 48 anos, era casada e mãe de duas crianças quando foi morta. A professora retornava de um curso de libras na noite do dia 18, quando parou com seu Gol no cruzamento da rua Wenefrido Melo com a avenida Godofredo Maciel, no sentido praia-sertão. Um ciclista se aproximou e efetuou um disparo de pistola na testa dela, matando-a de imediato. De acordo com uma fonte ouvida pela coluna cuja identidade é preservada por temer represálias, como o veículo não tinha ar-condicionado, o vidro das janelas sempre era deixado um pouco aberto. "Foi por esse espacinho que a pistola foi colocada e ela foi morta", explica.

 

Uma amiga da vítima, também professora (identidade preservada), conta como foram os últimos momentos em que esteve com Antônia. "Como de costume, saímos ao final do curso entre 18h e 19h. Nesse dia ela estava muito bonita, sorrindo muito, com um vestido estampado. Eu disse: 'Antônia, você está tão linda nesse vestido!'. Parecia alegre, sem apresentar preocupação. Peguei carona com ela. Depois de me deixar próximo à rua Cônego de Castro, seguiu pela avenida Perimetral. Se estávamos sendo seguidas ou não, em nenhum momento percebemos", relata.

 

As imagens do assassinato foram registradas pelo sistema de monitoramento de trânsito (CTAFor). De acordo com reportagens do período, é possível ver, logo após o disparo, dois homens em uma moto azul se aproximarem do carro para averiguar se ela estava realmente morta. A polícia descartou a hipótese de latrocínio (roubo seguido de homicídio). A investigação do caso foi conduzida pelo então delegado titular do 19º Distrito Policial (Conjunto Esperança), Cid Peixoto do Amaral Júnior. Não se tratou, contudo, de uma apuração sem incidentes. Uma testemunha teria sido ameaçada de morte, dificultando a obtenção de provas e o esclarecimento do caso.

 

Ainda segundo a mesma fonte, o delegado chegou a dizer que havia indícios sobre quem seria o autor do homicídio, mas mesmo assim o inquérito não chegou a ser concluído. No ano seguinte à morte de Antônia, o delegado Cid Júnior foi morto pelo procurador aposentado Ernandes Lopes Pereira. Desde então, não houve mais nenhum avanço acerca da elucidação do crime. Como resultado disso, não há registros da morte da professora sequer no sistema de informações da Polícia Civil.

 

A amiga descreve a Antônia do dia a dia: "Além do domínio em sala de aula, ela tinha um bom relacionamento com todos. Era uma pessoa sociável que mantinha respeito entre as pessoas. Soube de sua morte pouco tempo depois que cheguei em casa. Fiquei chocada, porque não conseguia acreditar. Tenho muitas lembranças da Antônia, e até hoje sinto sua falta".

 

Em 2009, a Prefeitura Municipal de Fortaleza adquiriu a escola particular Princesa Isabel e mudou o nome do estabelecimento para Antônia Maria de Lima, em homenagem à professora. O centro de educação infantil ligado à escola também recebeu a mesma denominação. São os únicos registros do que ocorreu além de uma única matéria publicada na internet. Não há nenhuma placa ou foto da professora nos dois locais. Segundo a diretora da escola, há interesse de que isso seja feito.

 

Uma familiar da professora, no entanto, destaca a importância de se manter a memória viva. "Queria agradecer à Prefeitura que a homenageou em várias oportunidades, lembrando da pessoa que ela era e colocando seu nome em uma escola. Ficamos muito felizes", afirma. Passado todo esse tempo, o sentimento da família é de frustração. "Infelizmente nossa justiça é muito frágil. Só tem justiça para alguns. A Antônia era apenas uma professora, profissão que não tem valor no nosso país. Ela trabalhava demais, era uma pessoa honesta. Isso me deixa ainda mais triste", comenta a familiar.

 

O caso da professora Antônia é emblemático da dificuldade de se investigar e punir os responsáveis em nosso País. A capacidade investigativa da Polícia Civil no Ceará foi aprimorada desde então, mas a condução dos trabalhos esbarra na imensa quantidade de inquéritos. Qual deles priorizar? Em quais investir maior energia e efetivo? Há algum que pode esperar? São questões que assombram delegados e inspetores. Para a família e os amigos, a dor da perda é única e irreparável. Tudo que eles esperam do Estado é que a Justiça seja feita. No entanto, muitas vezes isso é tudo o que eles não podem ter.

Foto do Ricardo Moura

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