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O debate necessário sobre a segurança pública
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

O debate necessário sobre a segurança pública

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O conflito não é necessariamente algo ruim. Uma sociedade 100% integrada, além de ser utópica, não seria capaz de mudar. É preciso que o novo sempre venha, como diria o poeta, e que a discordância tenha o seu lugar no debate público. No período eleitoral, os antagonismos se acirram e o conflito emerge. 

 

Por mais que haja excessos, trata-se de um momento forte do exercício da democracia, em que os problemas são expostos e exaustivamente abordados. No entanto, o Ceará está perdendo uma oportunidade única de avaliar a política de segurança pública nestas eleições.

 

Eleições

 

De modo geral, a exploração do tema na campanha ocorreu de forma superficial, recorrendo aos mesmos clichês de sempre, com a violência estrutural no Estado sendo tratada como se fosse apenas uma questão de falta de moral por parte dos governantes. Não é possível compreender a violência e a criminalidade sem levar em consideração a nossa profunda desigualdade social e a inexistência, por décadas, de políticas públicas específicas para as juventudes.

 

Enquanto isso, a propaganda oficial apregoa que a política de segurança pública daqui vai servir como modelo para a política nacional. O Sistema Policial de Indicativo de Abordagem (Spia) é o carro-chefe da campanha desta vez, assim como foi o Ronda do Quarteirão, em 2006, e o Raio, em 2014.

 

São esforços no sentido de conter a criminalidade, mas que não dizem muito sobre como preveni-la. Como impedir o recrutamento de crianças pelas facções? Como construir alternativas para quem deseja sair do mundo do crime? São questões que o Spia não tem como responder.

 

Em uma campanha morna e de baixa intensidade, o Ceará Pacífico está saindo ileso de uma avaliação pública mais rigorosa. Com um início tímido, as Unidades Integradas de Segurança (Unisegs) tiveram uma expansão acelerada no último ano de governo, saltando de duas, em 2017, para nove, neste ano. Que impactos essas unidades trouxeram para as comunidades? 

 

Quais foram as modificações sofridas no projeto inicial para o que está sendo executado atualmente? São perguntas importantes que precisam ser respondidas, haja vista que o programa deverá ser mantido no caso de vitória do atual governo.

 

Além disso, quando olhamos as estatísticas, vemos que o cenário da violência se agravou nos quatro últimos anos, a despeito dos volumosos investimentos feitos na área da segurança pública. Embora os índices de homicídios este ano tenham caído, tratam-se ainda de números bastante elevados. Não podemos esquecer que 2018 foi o ano em que registramos sete chacinas no Estado e assistimos ao surgimento dos refugiados urbanos. Isso sem mencionar as microchacinas que, pelo fato de ocorrer aos montes, já não chamam mais a nossa atenção.

 

Seria injusto, contudo, afirmar que o Estado não obteve avanços nessa área. Os policiais tiveram diversas demandas atendidas pelo Palácio da Abolição e o efetivo foi ampliado em um cenário de crise econômica. A atual gestão encerra seu mandato bem avaliada pela corporação, ao contrário da antecessora, que teve sérios problemas de comando sobre os efetivos das polícias Civil e Militar. A melhoria nas condições de trabalho, no entanto, deve vir acompanhada de uma forte cobrança sobre o cumprimento das normas. Casos de tortura policial devem ser punidos exemplarmente, enquanto as mortes por intervenção policial - que registraram um salto no período - não podem ser encaradas como algo corriqueiro.

 

O debate promovido por O POVO na semana passada foi o primeiro e até agora único momento em que o governador Camilo Santana se viu interpelado por seus adversários. A segurança pública, como não poderia deixar de ser, foi tema recorrente durante todo o programa. As questões mais estruturais, contudo, perderam espaço para a troca de acusações pessoais. Poucas propostas concretas foram apresentadas, como tem sido a tônica das campanhas eleitorais em níveis federal e estadual.

 

Se no campo da política partidária prevalece a aridez de ideias, a sociedade civil começa a se mobilizar de forma organizada em torno dessa discussão. Desde o ano passado o Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará (FPSP Ceará) - articulação que reúne movimentos sociais, entidades, coletivos e pesquisadores - atua no monitoramento, denúncia e proposição de melhorias no campo da segurança pública.

 

A Igreja do Ceará também está cumprindo seu papel. Como parte das atividades da Campanha da Fraternidade, a Assembleia Legislativa sediou uma audiência pública, no mês passado, para discutir a violência no Estado. Na ocasião, os parlamentares receberam um conjunto de propostas elaboradas por pastorais, religiosos e movimentos de todas as dioceses.

 

Em maio, o governador já havia recebido os bispos cearenses para tratar do tema. Durante a reunião, foi discutida a possibilidade de realização de assembleias regionais para avaliar e propor mudanças na atual política de segurança pública. Criado por especialistas, o Ceará Pacífico necessita passar pelo crivo da sociedade civil para que possa desfrutar de maior legitimidade. A proposta foi bem recebida, mas bem que poderia realmente sair do papel. 

 

Quem vive a experiência cotidiana de lidar diretamente com a violência, em suas múltiplas dimensões, tem muito a dizer e a nos ensinar.

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