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A nova temporada de caça aos índios
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

A nova temporada de caça aos índios

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Com o objetivo de expandir a colonização portuguesa no Nordeste e adquirir mão de obra escrava, muitos povos indígenas foram vítimas de caçadas humanas. A resistência se fez presente em confrontos que passaram para a história como guerras. Em pleno século XXI, no entanto, os conflitos territoriais permanecem. E, mais uma vez, os índios cearenses são os alvos preferenciais desse tipo de violência.

 

O atentado cometido contra a cacique Madalena Pitaguary, na semana passada, não foi um caso isolado. De acordo com o líder indígena Weibe Tapeba, pelo menos 16 índios foram atacados ou ameaçados por causa da luta fundiária nos últimos três anos no Ceará. Seriam seis da etnia Pitaguary, quatro Tapebas, três Tremembés, um Jenipapo-Kanindé e dois Anacés. O risco constante faz com que a maioria das pessoas incluídas no Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos sejam indígenas.

 

A indefinição legal sobre a posse das terras indígenas é um estímulo à impunidade. Enquanto aguardam o andar vagaroso das demarcações, as comunidades sofrem com ameaças, atentados e tentativas forçadas de desocupação. A Polícia Federal, segundo Weibe Tapeba, afirma só poder atuar em casos de crimes relacionados diretamente a conflitos fundiários e em áreas que já estejam efetivamente demarcadas.

 

"Quando não tem sido omisso ou negligente, o Estado Brasileiro tem agido de forma ineficiente para garantir a segurança no interior dos territórios tradicionais ocupados pelos povos indígenas. O Governo Federal chegou a propor uma espécie de batalhão comunitário, mas a proposta não chegou a ser sequer planejada", explica a liderança.

 

Segundo o antropólogo Ronaldo Santiago, a Funai há muito anos passa por um processo de desmonte e não tem nem estrutura nem recursos para levar adiante a política indigenista. "A atuação do Governo do Estado é tímida ainda, sobretudo porque a competência de regularizar os territórios indígenas é da União", conclui.

 

Mais recentemente, as comunidades indígenas passaram a lidar com um novo problema: a sombra do mundo do crime sobre seus territórios. O avanço das áreas dominadas pelas facções tem colocado as lideranças em situação de vulnerabilidade. Lucas Guerra, assessor jurídico do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos (CDPDH) da Arquidiocese de Fortaleza, ressalta que a atuação do crime organizado é hoje o fator de maior preocupação das comunidades, aliado às ações violentas de pessoas que reivindicam a posse da terra.

 

Esse cenário de insegurança foi denunciado ainda em junho, durante o Seminário dos Povos Indígenas. "Percebendo a ausência da atuação do Estado nas Terras Indígenas, as organizações criminosas estão avançando e estabelecendo os seus domínios no interior de nossos territórios, gerando ainda mais insegurança e medo e realizando inclusive o aliciamento de indígenas para atuar como agentes das mesmas", revela a Carta dos Povos Indígenas do Ceará assinada por lideranças de cinco etnias.

 

Pitaguarys

 

Madalena Pitaguary retornava para casa com um grupo de pessoas quando foi atacada por um homem que usava balaclava. A cacique entrou em luta corporal com o agressor, que tentou efetuar novos disparos, mas o revólver não funcionou. Não há informações sobre a identidade dele. Os Pitaguarys enfrentam uma condição de disputa aberta e violenta por suas terras. No ano passado, um índio da comunidade foi espancado e teve o corpo incendiado. 

 

Antes disso, em março de 2016, a irmã dele foi atacada com golpes de facão nos braços e na cabeça.

 

Embora tenha sido um ato de extrema gravidade, o atentado cometido contra Madalena Pitaguary não obteve a repercussão devida. Nenhuma manifestação oficial de repúdio foi divulgada.

 

Essa série de violações dos direitos dos povos indígenas não pode passar em branco, sob as vistas grossas dos governos e da sociedade. Já passou da hora de os povos indígenas poderem viver suas vidas com dignidade e segurança.

 

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