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Seguindo o rastro das armas de fogo II
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Seguindo o rastro das armas de fogo II


Em média, 20 armas de fogo são apreendidas no Ceará diariamente, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). De nada adiantará esse esforço cotidiano das forças de segurança se o Estado não tiver controle do armamento que circula em território nacional. Rastrear a movimentação das armas de fogo em um país do tamanho do Brasil é uma missão árdua, mas não impossível.

 

Levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz mostra que boa parte do armamento apreendido no Ceará entre 2016 e 2017 possuía registro no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal.Embora possua limitações, é possível ter uma noção mais aproximada do perfil de quem registra e manuseia uma arma de fogo pelo Sinarm, conforme vimos na coluna anterior.O mesmo não ocorre com o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), administrado pelo Exército Brasileiro e que se destina a militares, PMs e civis que sejam colecionadores, atiradores e caçadores (CAC).

 

A pesquisa do Instituto Sou da Paz não traz dados do Sigma. Falta integração e compartilhamento de senhas para que as polícias estaduais possam acessar tais dados. Em entrevista ao O POVO na semana passada, o secretário André Costa, titular da SSPDS, minimizou o fato afirmando tratar-se de um universo de armas "muito pequeno".

 

Não convém, contudo, menosprezar esse arsenal. Ao contrário dos registros no Sinarm, que estão em queda, os números do Sigma crescem de forma vertiginosa. Reportagem do UOL publicada no ano passado revelou que o número de registros no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas quadruplicou entre 2015 e 2016, passando de 7.215 armas registradas por ano para 20.575. Somente nos sete primeiros meses de 2017, 14.024 armas haviam dado entrada no sistema.Quantas delas pertencem a militares e quantas estão nas mãos de colecionadores, atiradores e caçadores? Quantas estão registradas no Ceará? Não sabemos. Trata-se, portanto, de um mercado em expansão, mas com pouca transparência.

 

Para efeito de comparação, no mesmo período, as armas registradas no Sistema Nacional de Armas registraram uma queda, caindo de 49,2 mil, em 2015, para 42,3 mil, em 2017, conforme levantamento publicado no G1. A relativa facilidade em se obter uma arma por meio do registro no Sigma pode explicar essa tendência. Na internet é possível encontrar sites e vídeos ensinando como registrar uma arma de fogo no Sigma para "legítima defesa" em vez de recorrer a um registro no Sinarm, em que é necessário passar pela mediação da Polícia Federal.

 

Em um desses sites que estimulam a pessoa a se tornar atiradora, o motivo da opção pelo Sigma é apresentado de forma bastante clara: "Se a lei fosse cumprida e fosse respeitado o direito de autodefesa do cidadão, eu escolheria e indicaria sem dúvidas o porte de arma do Sinarm. Por o Sinarm dar espaço de interpretação subjetiva pelo delegado da PF para aprovação ou reprovação do processo, não é minha escolha atual". O autor do site enumera ainda as vantagens do Sigma: prática de tiro com a própria arma, locomoção mínima com a arma e ser um "direito" e não concessão de alguma autoridade.

 

Há ainda uma "vantagem adicional" entre um sistema e outro: a possibilidade de se ter um número maior de armas registradas.Atiradores de nível 3 podem ter até 16 armas (sendo até 8 de calibre restrito) no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, enquanto caçadores podem ter até 12 armas(sendo até 8 de calibre restrito).O Sistema Nacional de Armas, por sua vez, autoriza o porte de apenas duas armas para cada registro.

 

Vale ressaltar que o registro no Sigma exige uma guia de tráfego, ou seja, um documento que autorize o transporte do armamento da residência do portador até o clube de tiro. Não se trata de uma licença de porte de arma. Embora traga essa restrição, as possibilidades de burlar a lei ainda são grandes: como comprovar que o atirador não estaria indo para o clube de tiro no caso de ser flagrado portando uma arma dentro do carro?

 

Cabe à Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC), do Exército Brasileiro, a fiscalização das entidades de tiro. No entanto, o controle sobre o acesso e o manuseio de tais armas ainda está longe de ser a ideal, como pode ser visto pelos recordes de apreensão de armas de fogo ano após ano. A solução passa necessariamente pela integração dos dois sistemas de controle. A quem interessa que essa divisão seja mantida?

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