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Chacina: a nova face da violência no Ceará
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Chacina: a nova face da violência no Ceará


O termo chacina incorporou-se ao nosso cotidiano em 1993, com a matança de três adolescentes no bairro Pantanal. Ao contrário de um homicídio cometido após uma briga ou uma discussão, por exemplo, a chacina é resultado de uma ação planejada e levada a cabo por um grupo de pessoas quase sempre fortemente armadas. Também por causa disso, tratava-se de um fenômeno não-usual e que causava imensa repercussão social.


O que era um episódio relativamente raro, contudo, se tornou tão recorrente que foi criada uma contabilidade não-oficial de ocorrências e vítimas. Somente este ano, segundo dados do O POVO, 39 pessoas foram assassinadas em cinco chacinas. Essa contagem não leva em consideração os numerosos casos de homicídios duplos e triplos com feridos que poderiam resultar em matanças ainda maiores, mas que não tiveram a mesma repercussão nem por parte da polícia e nem por parte da sociedade. Denomino esse tipo de ocorrência como microchacina em uma coluna publicada em maio de 2017 (www.opovo.com.br/jornal/colunas/segurancapublica/2017/05/microchacinas-cotidianas.html).


Após a Chacina do Curió, ocorrida em novembro de 2015, é possível perceber mudanças significativas no perfil desse tipo de crime, que vai além do seu aumento exponencial. A coluna enumera algumas delas a seguir:

 

“Guerra” de facções.

Ao contrário do que ocorria anteriormente, as chacinas atuais estão inseridas em uma dinâmica de confronto entre grupos criminosos, locais e nacionais, que disputam o mercado de drogas no Ceará. Rivalidades e “tretas” têm sido resolvidas por meio de matanças e isso tem levado a uma banalização do ato. Nessa “guerra”, qualquer espécie de vinculação ao lado adversário pode ser uma sentença de morte, como aconteceu na Chacina de Cajazeiras, em janeiro. Naquela ocasião, a maioria das vítimas nem possuíam antecedentes criminais e muito menos eram “faccionadas”. A causa de suas mortes foi estar na hora e no local errados.

 

Interiorização das mortes.


O episódio mais recente das matanças no Estado ocorreu em Quixeramobim, na semana passada, quando quatro pessoas foram executadas em um assentamento. No início do ano, quatro pessoas foram mortas em Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Além desses casos, uma chacina foi registrada na cadeia pública de Itapajé, resultando em 10 detentos assassinados a golpes de “cossoco”, facas e punhais. A descentralização dos crimes da Capital é uma mostra da capilaridade das organizações criminosas em todo o Ceará. O mapa da trilha de sangue sobrepõe-se aos circuitos ilegais do dinheiro oriundo do comércio ilegal de drogas e armas.


Mulheres como vítimas. 

 

As vítimas de chacinas ocorridas nos dois últimos anos não se restringem mais ao perfil tradicional de homem, jovem e negro. Pelo menos 13 mulheres foram assassinadas em quatro chacinas: Horizonte (uma), Ipueiras (uma), Cajazeiras (oito) e Quixeramobim (três). A conta não leva em consideração as feridas, o que resultaria em um número ainda maior. Em 2018, o homicídio de mulheres no Ceará atingiu seu ápice, superando a proporção histórica de vitimização por gênero. As vítimas do sexo feminino não eram necessariamente “faccionadas”, mas foram mortas por manterem algum tipo de ligação com membros de grupos criminosos. Trata-se de um sinal bastante evidente de que os limites existentes sobre “quem deve ou não morrer”, para o Crime, foram borrados. É preciso haver ações governamentais que abordem a questão da misoginia (ódio contra mulheres) já no ensino fundamental. As meninas não podem ser vistas como objeto de vingança e de atos brutais como vem acontecendo.


Embora os índices de homicídio tenham arrefecido nos dois últimos meses, as condições que levam às chacinas ainda se mantêm bastante vivas. Além dos investimentos feitos no combate ao crime organizado, é preciso criar políticas públicas consistentes para crianças e adolescentes. Não iremos superar o quadro de violência atual enquanto continuarmos perdendo nossos jovens para as facções. E isso passa pela nossa capacidade de fazer com que o sonho deles por uma vida melhor passe bem longe do mundo do crime.

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