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A falácia do uso da arma de fogo como autodefesa
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

A falácia do uso da arma de fogo como autodefesa

A atuação da policial militar que matou um assaltante na saída de uma escola em São Paulo, no último dia 12, reacendeu o debate sobre o uso de armas de fogo como meio de defesa pessoal. Para os grupos que defendem a liberação, o episódio só demonstra a necessidade de se rever o Estatuto do Desarmamento, pauta recorrente da Frente Parlamentar da Segurança, também conhecida como a Bancada da Bala.


Dois casos de menor repercussão também envolvendo policiais mostram, contudo, que é preciso muita cautela ao lidar com o assunto. No feriado de 1º de Maio, um policial civil matou um sargento PM após briga em uma festa na Praia do Futuro. No dia seguinte ao que o ladrão foi morto pela policial, um delegado da Polícia Federal foi assassinado em sua residência, também em São Paulo, quando tentava reagir a um assalto. Portar uma arma de fogo, em ambas as ocasiões, resultou em uma ação malsucedida.


Mortes por armamentos não são um problema exclusivamente de países em desenvolvimento. Os Estados Unidos registraram, na semana passada, o 16º tiroteio em escolas este ano, igualando o recorde de todo o ano de 2004. Lá como cá, o assunto divide opiniões. Em reunião com alunos sobreviventes de atiradores, o presidente Donald Trump defendeu que os professores dessem aulas armados e, ao mesmo tempo, se mostrou favorável a um maior controle sobre a venda de armas.


A Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard estuda o assunto há muito tempo e a conclusão é uma só: os argumentos usados por quem prega o uso de armas de fogo como autodefesa são falaciosos. A coluna lista a seguir alguns dos resultados obtidos pela instituição:


Armas não são usadas milhões de vezes a cada ano em autodefesa.

O uso de arma de fogo como autodefesa é um evento raro de acontecer, mas que é superestimado pelos seus defensores. Casos como o da policial militar de São Paulo geram uma sensação falsa de que as pessoas estão sempre se defendendo por meio de armamentos. Uma pesquisa realizada pela Escola revelou que esse percentual é de apenas 0,9%.

 

As armas são usadas, na maioria das vezes, para ameaçar ou intimidar pessoas. Essa constatação, amparada em uma enquete realizada nacionalmente, contraria a alegação de que o armamento seria empregado primordialmente como uma forma de autodefesa. Em uma cultura marcadamente machista como a nossa, em que os homens precisam a todo momento posar de valentões, não é preciso muita imaginação para se ter uma noção do principal uso que as armas teriam em nosso cotidiano.

 

Armas mantidas em casa são usadas mais comumente para intimidar pessoas próximas do que prevenir crimes. Pesquisa realizada sobre como e quando as armas são utilizadas em casa revela que elas são usadas principalmente para atemorizar familiares, em especial mulheres. No caso em que as residências chegaram a ser invadidas, outros instrumentos foram utilizados na tentativa de se defender em vez das armas de fogo, como facas e tacos de beisebol.

 

Poucos criminosos são alvejados por cidadãos “obedientes à lei”. Estudo de vitimização feito com pessoas que cometeram crimes revela que, na maioria dos casos, os ferimentos a bala foram resultados de briga ou discussão. Nenhuma ocorrência de disparo cometido por vítima foi registrada, embora em alguns dos casos os entrevistados tenham sido baleados pela polícia enquanto cometiam o ato ilícito.

 

O uso de arma de fogo não é tão eficaz como forma de autodefesa. Pesquisa realizada com 14 mil pessoas mostrou que os entrevistados que adotaram algum tipo de ação protetiva, ou seja, cooperaram com o criminoso, correram ou acionaram a polícia saíram mais ilesos de uma abordagem criminosa do que quem tentou reagir valendo-se de uma arma de fogo.

 

Por óbvio que a realidade dos EUA é bem diferente da do Brasil. No entanto, o que os estudos apontam é que não há evidências de que o uso de armas de fogo contribua para a autodefesa. Quem defende a revogação do Estatuto do Desarmamento precisa arrumar outro argumento para justificar essa decisão. Como as pesquisas têm demonstrado, o principal emprego dos armamentos vem sendo a intimidação, o cometimento de crimes e a lesão corporal. Não ficaremos mais seguros ampliando o acesso a um instrumento que só está servindo para a realização de atos violentos. O controle mais rigoroso sobre a circulação de armas de fogo apresenta-se como pauta urgente e uma ação mais eficaz quando se trata de reduzir a violência.

Foto do Ricardo Moura

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